O mercado de planos de saúde padece de um problema econômico clássico: a assimetria de informação entre seus atores. Tal assimetria é origem de diversos conflitos e tem forte impacto na eficiência global dos sistemas de saúde público e privado.
Um dos temas no qual esses efeitos nocivos são observados de forma dramática é a indicação e compra de órteses, próteses e materiais especiais (OPMEs). A informação é assimétrica, pois a qualidade e a pertinência dos bens e serviços de saúde adquiridos são de difícil avaliação por parte de quem paga ou de quem se beneficia deles. Consequentemente, o financiador e o consumidor desses serviços e bens dependem da decisão técnica dos profissionais de saúde, que são os detentores da informação. Ainda que a autonomia do profissional de saúde deva ser preservada, alguns efeitos perversos precisam ser mitigados.
As OPMEs são parte dos custos da saúde e sua relevância têm aumentado ao longo do tempo. Além do alto custo de alguns desses materiais, gestores públicos e privados de saúde apontam discrepâncias de preços entre produtos equivalentes. São também frequentes as inconsistências entre quantidades e marcas indicadas para quadros clínicos similares, assim como existem denúncias de recebimento de “comissões” por profissionais pelo uso de um determinado material. Essas distorções não só reduzem a eficiência do setor como recaem, invariavelmente, nas contas dos gestores públicos de saúde e dos consumidores de planos. Resolver a questão implica em compreender um quadro multifacetado e mobilizar uma agenda coordenada de ações nas áreas pública e privada.
Um primeiro aspecto dessa agenda diz respeito aos problemas de concorrência nas cadeias produtiva e de comercialização das OPMEs. Em uma indústria que produz inovações que precisam ser financiadas, alguns produtos possuem patentes e gozam de monopólio legal por certo período, o que torna esses produtos mais caros. Em contrapartida, não parece haver justificativa econômica razoável para preços na verdade elevados não em função do custo de fábrica, mas devido às altas margens na distribuição e na comercialização. Nesse sentido, ações de defesa da concorrência para reduzir barreiras à competição na distribuição e uma maior transparência dos preços podem trazer significativas reduções de custos.
Em um setor com assimetria de informações entre os agentes, outra ação importante é a busca de maior consenso acerca de aspectos técnicos da indicação clínica das OPMEs. A partir de evidências empíricas é possível fazer avaliações de custo-benefício de tecnologias de saúde. É necessário também determinar e divulgar diretrizes e protocolos clínicos de utilização que tornem mais evidente a real necessidade dos materiais em cada caso. Nesse sentido, o Brasil já conta com valorosa contribuição prestada ao Sistema Único de Saúde (SUS) pelo Comitê de Incorporação de Tecnologias (CONITEC), órgão ligado ao Ministério da Saúde que, através de recomendações técnicas, tem trazido maior racionalidade para o uso de tecnologias, incluindo as OPMEs. É fundamental, portanto, fortalecer cada vez mais o CONITEC e dotá-lo de capacidade de produzir mais análises, não só focadas nas necessidades do SUS, mas de todo o setor de saúde brasileiro.
Sem prejuízo da autonomia do profissional de saúde, a sociedade brasileira precisa discutir o que fazer com eventuais casos de corrupção nessa área. Hoje, profissionais eventualmente remunerados pela indústria - diretamente ou através de benefícios - para indicar determinada OPME podem sofrer sanções éticas de seus respectivos conselhos profissionais. Como os sistemas público e privado de saúde dependem da repartição de recursos limitados, gasto desnecessário em um serviço seguramente representará perda de recursos que poderiam salvar vidas e recuperar a saúde das pessoas, o que deixa a pergunta: será uma sanção ética do profissional tudo o que a sociedade considera adequado para casos de abuso?
Por fim, o principal desafio diz respeito aos incentivos econômicos ligados ao modelo de pagamento de hospitais e médicos. Na maioria dos casos, os serviços e insumos são pagos um a um, em um modelo ao qual a literatura internacional se refere como fee-for-service. Tal sistema de remuneração incentiva um maior uso de insumos. A mudança, portanto, para modelos mais “empacotados” de serviço com acompanhamento de seus resultados assistenciais certamente traria uma lógica mais eficiente para o processo. O modelo de diárias globais e pacotes, já utilizado pelo SUS, traria para o setor privado um mais adequado compartilhamento do risco com os prestadores de serviços, gerando maior racionalidade no uso de OPMEs e outros insumos. Associar esse modelo ao uso de incentivos para melhorar a remuneração de profissionais e hospitais de acordo com o valor agregado ao paciente é uma combinação com grande potencial para reduzir o custo geral do sistema e aumentar a qualidade da assistência.
Em julho de 2013, em conjunto com representações dos hospitais e das operadoras de planos de saúde, a ANS iniciou uma série de projetos-pilotos para mudar o modelo de pagamento. Essa é certamente uma mudança estrutural que deve estar na pauta das lideranças do setor interessadas em um modelo de saúde com menos desperdício e mais qualidade.
Evidenciada a complexidade da questão, fica claro: a implementação de uma agenda que traga mais transparência para preços; uma punição mais dura para os casos de abuso de profissionais; mais protocolos, diretrizes e avaliações de tecnologia em saúde e a mudança do modelo de pagamento certamente trarão uma nova perspectiva. Essa perspectiva permitirá que as OPMEs sigam salvando vidas e evitará que custos desnecessários continuem pesando nos bolsos dos contribuintes que sustentam o SUS e dos consumidores de planos de saúde.
* Bruno Sobral é diretor de Fiscalização da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS)