Durante os primeiros meses da pandemia de covid-19, 105 mil oxímetros foram distribuídos aos mais de 5,5 mil municípios brasileiros e ajudaram as equipes de saúde da família a monitorar a oxigenação da população que estava em casa e antecipar casos graves da doença. Em paralelo, 14 milhões de máscaras foram entregues gratuitamente à população em estações de metrô. Agora, quando o país volta a se preocupar com o aumento de casos, um trabalho contínuo de análise dos testes realizados para detectar a doença indicou que, após cair para 3,6% no final de março e voltar a crescer desde então, o percentual de resultados positivos chegou a 34,3% em maio, período em que foi de 43% para as pessoas entre 50 e 59 anos. As duas ações - a prevenção e a pesquisa para dar segurança à retomada - compõem o rol de iniciativas do Todos pela Saúde. Conhecido pela doação de R$ 1 bilhão feita pelo banco Itaú, o projeto nasceu para ajudar a combater a pandemia da covid-19, mas se transformou e ganhou perenidade no Instituto Todos pela Saúde (ITpS).
A iniciativa Todos pela Saúde começou com a doação de R$ 1 bilhão feita pelo banco Itaú em abril de 2020 e foi reforçada por R$ 250 milhões de parceiros. No primeiro ano da pandemia, foram gastos R$ 970 milhões, dos quais 26% em máscaras (para profissionais de saúde e população), 22% em testes para detecção da covid-19, e 11% foram destinados à pesquisa.
No final, R$ 200 milhões se transformaram no legado do programa e compuseram o funding que criou o ITpS, cujo propósito é colaborar para o desenvolvimento de um sistema de vigilância epidemiológica e ajudar o Brasil a se preparar para o enfrentamento de futuros surtos, epidemias e pandemias, como a da covid-19.
“Um dos grandes gargalos no Brasil é como a gente faz a bioinformática; como eu transformo os dados que já existem em informação que pode interferir nas políticas públicas na área de saúde”, diz Jorge Kalil, diretor-presidente do ITpS e professor da Universidade de São Paulo (USP) e do Instituto do Coração (Incor). No começo, o foco está em doenças infecciosas. O instituto, pontua, vai produzir informações para que os gestores públicos tomem decisões.
O foco da prevenção está diretamente relacionado à preocupação com o futuro, um dos quatro pilares a partir dos quais o Todos pela Saúde foi organizado, conta Paulo Chapchap, conselheiro estratégico do negócio de hospitais e oncologia da Dasa, que coordenou o programa e agora preside o conselho de administração do ITpS. A ideia de informar, proteger, cuidar e retomar surgiu como resposta à pergunta “o que fazer”, colocada por Pedro Moreira Salles, copresidente do conselho de administração do grupo Itaú Unibanco, no início do projeto, conta ele.
O informar veio da certeza de que não era possível fazer nada sozinho, o sucesso dependia da sociedade saber o que fazer (e aí vieram os clipes, os vídeos, a máscara no rosto do Cristo Redentor); no começo do proteger, o foco estava nos profissionais de saúde (R$ 303 milhões foram gastos em equipamentos de proteção individual, como máscaras e luvas); o cuidar ampliou essa preocupação para a população e envolveu R$ 452 milhões entre testes, construção de dois centros de testagem e centros de acolhida; e o último item, a retomada, fala de esperança e por isso trouxe a pesquisa desde o início. “As pessoas e os profissionais de saúde precisavam saber que íamos voltar à normalidade em algum momento”, diz Chapchap.
O programa, conta, foi desenvolvido em parceria com as secretarias estaduais de saúde por meio, principalmente, do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass). “Sabíamos que o volume de recursos, embora expressivo, não teria impacto em ações isoladas. Ele teria mais relevância em parceria com os governos”. O Todos pela Saúde centralizou a compra dos equipamentos de proteção individual e os distribuiu, com ajuda da estrutura do banco Itaú (em compras, contratos e logística).
Chapchap lembra que, no começo, equipes do Todos pela Saúde acompanharam o processo de trabalho nos hospitais dos grandes centros, onde a pandemia chegou primeiro, para aprender, sistematizar o que funcionava melhor e ajudar a levar esse conhecimento para outras cidades, na medida que a doença avançava para outras regiões e interior dos Estados. Junto com o Sírio-Libanês foram criados 27 gabinetes de crise e uma ferramenta que fez o gerenciamento diário de mais de 300 hospitais espalhados pelo Brasil.
No planejamento do quarto pilar, o retomar, estavam previstos gastos de R$ 354 milhões, dos quais R$ 108 milhões apoiaram diferentes pesquisas, conduzidas por institutos públicos e privados, e a produção das duas vacinas desenvolvidas no Brasil. Todo o aprendizado do primeiro ano, que inclui a avaliação de que algumas apostas foram equivocadas (como montar centros de acolhida para transferir pessoas infectadas com sintomas leves, mas que ficaram vazios porque às vezes o infectado era o único o adulto da família, por exemplo), trouxe a percepção de que era preciso um projeto mais perene, com potencial de impacto superior ao de ações emergenciais, muitas de caráter assistencial.
O ITpS, contudo, como explica seu diretor-presidente, não é uma agência de fomento, para a qual os pesquisadores podem apresentar diferentes projetos. “Nós vamos definir os projetos e convidar as pessoas para participar”, diz Kalil. A formação de redes de pesquisa é um dos três pilares do instituto. Os outros, diretamente ligados, são a estruturação de uma equipe própria para lidar com dados epidemiológicos e sequenciamento genômico e, por fim, a educação e a comunicação, para formar e informar. Muitas atividades de pesquisa e monitoramento já são feitas no Brasil, mas os projetos são isolados e o instituto quer fazer esses pesquisadores trabalharem juntos.
Em 2015, quando o Brasil conviveu com a epidemia do zika, foram necessários 18 meses para a identificação do vírus e a confirmação que não era dengue. Na ocasião, o alerta veio dos pediatras e não da prevenção epidemiológica. Esse é um exemplo da importância do sequenciamento genômico dos vírus para o desenho de políticas públicas de saúde, pontua Kalil.
Anderson Brito, virologista e pesquisador do ITpS, está à frente da principal pesquisa conduzida no instituto: o monitoramento da variante ômicron e de outras que ainda possam surgir, feito a partir de uma parceria com laboratórios privados, de onde são coletadas as informações sobre os testes de covid. Diferentemente dos testes da rede pública, o tipo de PCR realizado na rede privada é “distintivo” quanto à variante do vírus (ômicron, gama, etc). Ele não tem o detalhamento de um sequenciamento genético, mas ao identificar a variante, contribui para que as redes de vigilância epidemiológica entendam onde o vírus está circulando e com que velocidade, explica Brito. Antes do acompanhamento do ITpS, esses dados estavam dispersos, mas foi o instituto que apontou que a variante ômicron BA.2 atingiu 90% das amostras em meados de maio.