Quando olhamos os resultados em saúde de unidades públicas e privadas, podemos dizer que elas têm alguma coisa em comum, que não está relacionado com estrutura física, tecnologia, protocolos de segurança do paciente e outras questões e isso sempre nos intrigou. Acompanhamos unidades de saúde de inúmeros tamanhos e complexidades em todo país, mas o que aparece intangível nas unidades visitadas são a maneira como os colaboradores se comportam e cuidam uns dos outros.
Será que é a força de uma unidade de saúde que tem seu propósito definido e compartilhado entre todas as suas partes interessadas? Conhecer seu propósito individual, como ser humano no planeta Terra já é desafiador, considerando as inúmeras possibilidades e multitalentos que desempenhamos diariamente, agora unir isso à tarefa árdua e diária de cuidar parece um pouco utópico.
Quando falamos de um propósito organizacional isso pode ser ainda mais difícil, visto que é necessário reunir em torno de um foco comum esses mesmos diversos profissionais que encontram alinhamento total ou parcial a essa “razão de ser coletiva”. É justamente a congruência de todas as forças das pessoas que ali congregam, somadas, multiplicadas e desenvolvidas, que oportuniza que uma instituição de saúde tenha maiores resultados, em todos os âmbitos.
O fato é: por mais humanizada que uma organização seja, ela ainda é uma formalização de um CNPJ, mas será que uma razão social não foi exatamente criada para trazer “razão à sociedade”? A discussão pode ir longe, mas nosso desejo neste artigo é, se uma empresa não é e não será um ser humano, são justamente as pessoas que com ela se relacionam que possibilitam que ela exerça seu compromisso social, pela energia, o olhar, o toque, a palavra e a ação de cada um. Um hospital, uma clínica ou qualquer unidade de saúde só existe na construção social e discursiva do que é humano.
Norman Fairclough, linguista britânico, versa que o discurso e seu conjunto de sistemas linguísticos, é construído de forma tridimensional. Tudo começa com o texto, o código visível/perceptível e que organiza em si os desejos de ação propostos. Nesse âmbito, grande parte das organizações de saúde já iniciaram sua caminhada: formalizam a identidade organizacional, desenham sua marca e slogan e declaram suas políticas institucionais. Com tudo isso, estamos ainda na dimensão textual, aquela que inicia o processo.
A segunda dimensão são as práticas discursivas, que é como esses textos são consumidos, trabalhados e replicados na organização, bem como a escolha das estratégias para esse compartilhamento. Todas essas definições impactam diretamente no sucesso do fortalecimento do propósito. Após os investimentos necessários em capacitação e a sua adequada comunicação aos públicos da organização, é hora de sentir a mudança positiva.
Costuma ser visível a diferença entre unidades de saúde que conseguiram alcançar a terceira dimensão da construção discursiva do propósito e aquelas que ainda não. Seus profissionais estão alinhados com a cultura organizacional e sabem, com clareza, o que devem fazer no dia a dia de trabalho. Essa é a etapa das práticas sociais, quando o texto já foi devidamente difundido e consumido e agora pode ser visualizado nas ações dos indivíduos. Os efeitos de cada palavra promulgada na missão, visão, valores e propósito, bem como na marca da instituição e nas suas políticas mais importantes (Código de Conduta Ética, por exemplo), são sentidos a cada movimento experienciado.
Por isso, construir, compartilhar e viver um propósito de comprometimento social é crucial para as unidades de saúde, sejam elas públicas ou privadas, tendo em mente que ambas são de interesse da comunidade, por seu impacto e possibilidade de transformação. Comprometer-se com a comunidade interna e externa na qual o hospital ou clínica estão inseridos, e se inserem, deve ser parte da estratégia da organização e pauta frequente de todos os âmbitos hierárquicos.
Para contribuir com os serviços de saúde que querem um propósito social forte, apresentamos algumas dicas:
Independentemente da forma como cada unidade conduzirá essa estruturação de fortalecimento do propósito e a declaração de uma condução socialmente comprometida, o mais importante é a coerência entre a identidade e a imagem desse serviço de saúde. A identidade é o que ela diz que é, e a imagem é o que os outros pensam que ela é. Nesse sentido, ferramentas e técnicas comunicacionais contribuem sobremaneira para a adequada fundamentação dessa identidade organizacional/visual e do propósito para que a imagem percebida seja o mais alinhada possível a essa meta. Um propósito forte, promove mudanças positivas não só para a própria instituição, e sim para toda a sociedade. Opte sempre por ser parte da transformação.
Quando construímos ambientes seguros, com propósito e com uma cultura vivida, os resultados e a força do propósito ficam evidentes. E, por mais que as pessoas sejam diferentes e até possuam divergências de pensamento e atuação, quando o propósito é claro as pessoas se unem, pois no final do dia o papel do profissional de saúde é melhorar a vida e a saúde das pessoas.
Cabe uma reflexão: E você, consegue unir trabalho e propósito?
*J. Antônio Cirino é Comunicólogo, gestor de qualidade, professor e pesquisador. Doutor em Comunicação e Sociabilidade (UFMG), com pós-doutorado em Comunicação e Cultura (UFRJ) e em novo estágio pós-doutoral na Universitat de Barcelona (Espanha). Autor do livro “Gestão da Comunicação Hospitalar” e organizador da obra “Estratégias para a Acreditação dos Serviços de Saúde”. Membro da Federação Internacional de Hospitais – IHF YEL Alumni. Coordenador científico do Manual do Gestor Hospitalar da Federação Brasileira de Hospitais – FBH. Professor da Organização Nacional de Acreditação – ONA.
*Vânia Bezerra é Relações Públicas, Executiva da área da Saúde; mestranda em Gestão para Competitividade, Saúde e Comportamento pela Fundação Getúlio Vargas. Especialista em Gestão de Projetos, Relações Governamentais, Gestão de Atenção à Saúde, Gestão da saúde, qualidade e segurança e em Gestão de saúde no Século XXI pela Harvard T.H. Chan School of Public Health; Gestão em sistemas de saúde pela Kaiser Permanente School of Allied Health Sciences (KPSAHS), Gestão da Saúde Coletiva e Sistemas Universais Oxford – Inglaterra.