A medicina de família e comunidade, oficializada como especialidade em 1981 quando ainda era chamada medicina geral comunitária, continua predominante na atenção primária à saúde do SUS. Na última década, porém, o modelo vem sendo adotado pelo sistema privado. Além da redução de custos, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) induziu o mercado a implantar estratégias típicas da especialidade, como foco na prevenção, cuidado continuado, atendimento humanizado e engajamento do paciente.
Ainda assim, alguns gargalos continuam atrapalhando a consolidação do modelo. O principal deles é o déficit de especialistas. Cálculos do Valor a partir de dados da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC), indicam que faltam 300 mil médicos de família no país — existem por volta de 7,5 mil atualmente. “A necessidade é muito grande. No setor privado, por exemplo, precisamos de profissionais para o ensino e para a assistência na atenção primária. Também precisamos de gestores com prática hospitalar e capazes de estruturar uma governança de cuidados a partir da medicina de família, que deveria ser o ponto central dos sistemas. O governo federal, por sua vez, poderia aumentar o valor das bolsas de estudo da residência, atraindo médicos. Seria uma saída”, defende Zeliete Zambon, presidente da SBMFC.
Sobre os investimentos das operadoras na especialidade, Zambon avalia que o movimento era previsível. “Com uma atenção primária bem estruturada, a sinistralidade diminui e, por consequência, os custos”, diz. Ao centralizar o atendimento, integrando diversas áreas, especialidades e serviços, o paciente da medicina de família é bem direcionado já na primeira consulta. Exames desnecessários e peregrinações por diferentes especialistas em busca do diagnóstico, por exemplo, não acontecem.
A cooperativa Unimed foi uma das pioneiras a apostar no modelo com a criação do Núcleo de Atenção Primária à Saúde em Guarulhos, em 2012, que chegou a ganhar prêmios com um programa inovador de cuidados em diabetes baseado em evidências científicas. Em 2013, a Unimed Chapecó, em Santa Catarina, lançou um plano para colaboradores que incluía nutrição e psicologia, funcionando como projeto-piloto. A iniciativa também deu certo. Três anos depois, a operadora lançou o Unimed Personal, baseado em medicina de família de excelência e direcionado a empresas. Hoje, 5 mil colaboradores de companhias da região como Expresso São Miguel, JA Equipamentos e Auto Viação Chapecó são beneficiários do plano. Trata-se de um dos poucos seguros do país a incluir odontologia no rol de benefícios.
“Acompanhamos a pessoa desde sua primeira pisada no ambulatório. Nenhum dos nossos médicos faz consulta de 5 minutos, mesmo que a queixa seja uma simples cefaléia. A consulta deve durar, no mínimo, 30 minutos. Exigimos que o especialista aprofunde a relação com o paciente, converse bastante, olhe no olho e crie o vínculo de confiança”, explica Juliano Brustolin, médico de família e coordenador do Unimed Personal. A cooperativa também inaugurou a primeira residência médica na especialidade voltada ao setor privado, em Santa Catarina. A prefeitura de Coronel Freitas e a Unochapecó são parceiras no novo programa.
Outra instituição pioneira foi o Hospital Alemão Oswaldo Cruz. Há 12 anos, ele oferece atendimento aos 3,7 mil funcionários inspirado em um sistema da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos. Em 2019, ampliou o serviço e lançou o plano corporativo Saúde Integral, levando ambulatórios com equipes multidisciplinares para dentro de grandes empresas. “Centralizamos o atendimento, desenhamos linhas de cuidado integral e resolvemos 90% dos problemas dos colaboradores”, comenta Leonardo Piovesan, gerente de atenção primária do hospital.
A SulAmérica mantém parcerias com 15 clínicas, em 12 municípios, focadas na prevenção. “Existe uma barreira cultural no Brasil em relação à medicina de família. Mas, ao mesmo tempo, há uma mudança de paradigma em curso para um atendimento mais integrado e preventivo”, acredita Raquel Imbassahy, diretora de gestão em saúde da operadora. Uma das metas é direcionar 20% da clientela para a atenção primária nos próximos anos, sem obrigatoriedade.