Os hospitais filantrópicos e as Santas Casas, contratados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para prestar assistência à população, têm visto sua situação financeira ser agravada, com um déficit anual de R$ 10,9 bilhões que tende a subir. O setor classifica o cenário como “caótico” e luta em Brasília por mais recursos para sobreviver. A rede hospitalar filantrópica conta com 1.824 hospitais espalhados no Brasil, com quase 170 mil leitos hospitalares, dos quais 26 mil de UTI. Em mais de 800 municípios, a rede é o único sistema de acesso da população à saúde. Nos últimos seis anos, 315 instituições fecharam por falta de recursos.
Segundo a Confederação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos (CMB), a crise financeira no setor aumentou nos últimos anos principalmente porque muitos dos hospitais são híbridos: atendem tanto ao SUS quanto à saúde suplementar. Durante o período da pandemia, com a queda da procura do paciente por atendimentos em saúde suplementar, a situação se agravou com a queda dos repasses.
“Todo o setor vem trabalhando há alguns anos com uma previsão deficitária”, explica Mario Cesar Homsi Bernardes, diretor-geral da CMB. Nos últimos dois anos, ele destaca que a falta de medicamentos e o custo dos insumos prejudicou ainda mais o setor.
Na tentativa de mitigar o impacto, os hospitais filantrópicos e as santas casas conseguiram aprovar junto ao Congresso Nacional o projeto para suspender até o fim de 2021 o cumprimento das metas quantitativas e qualitativas contratadas junto aos gestores públicos estaduais e municipais, garantindo o repasse da integralidade dos contratos - os hospitais são remunerados com base no que produzem junto ao SUS.
O setor solicitou a prorrogação da medida até junho deste ano, com rápida aprovação no Congresso Nacional. Quando foi à sanção, no entanto, o presidente Jair Bolsonaro (PL) vetou o texto. Agora, o setor luta pela derrubada do veto em Brasília.
Os hospitais também lutam atualmente pela aprovação do projeto de lei que prevê repasse de auxílio financeiro emergencial de R$ 2 bilhões para santas casas e hospitais filantrópicos, hoje travado na Câmara dos Deputados por falta de fonte de recursos. Outra demanda do setor é a tentativa de impedir a aprovação do projeto que prevê um piso salarial da enfermagem. Segundo a CMB, só para os filantrópicos, o piso teria impacto de R$ 6,3 bilhões, agravando ainda mais a situação financeira.
“Caso esse projeto seja aprovado, somando o impacto ao déficit já projetado, precisaremos de R$ 17,2 bilhões no orçamento da União para que a gente possa minimamente garantir a sustentabilidade dos hospitais”, diz Bernardes. No limite, a CMB deseja incluir no texto uma emenda para permitir que os impactos do projeto ao setor filantrópico sejam custeados pela União. O Ministério da Economia resiste à ideia, tendo em vista que a despesa poderia ter caráter primário e estaria sujeita ao teto de gastos.
“A situação de crise financeira é histórica, mas neste momento é muito grave”, diz Edson Rogatti, presidente da Federação das Santas Casas e Hospitais Beneficentes do Estado de São Paulo. Segundo ele, há exemplos no interior de São Paulo onde as instituições filantrópicas são protagonistas do SUS.
“Não dá para fazer milagre. Gradativamente fecharemos leitos, postos de trabalho, aumentaram as filas de cirurgia e exames”, lamenta Rogatti.
Em entrevista ao Valor, o secretário-executivo do Ministério da Saúde, Daniel Pereira, reconheceu que o teto de gastos é um limitador para o financiamento dos hospitais filantrópicos. “A saúde sempre tem critérios voláteis de saúde, e o IPCA (índice que corrige o teto de gastos) sempre será inferior. Ano a ano, considerando o cenário inflacionário, nós perdemos recursos”, afirma o secretário.
Na última semana, em Brasília, a confederação fez um protesto na Esplanada dos Ministérios, na capital, com 1.824 cruzes (número de hospitais abertos no setor) na intenção de representar a situação financeira das Santas Casas e hospitais filantrópicos do Brasil. No ato, foram colocados balões com alusão à preocupação do fechamento de hospitais, que atendem a mais de 50% da média complexidade e 70% da alta complexidade (como oncologia, cardiologia e transplantes) do SUS.