Soluções de saúde ficam mais inteligentes
27/05/2022

Alternativa muito adotada para diagnóstico da covid-19 no auge da pandemia, quando havia falta de testes, a tomografia de tórax agora pode ser reutilizada para análise de riscos de AVC. Um sensor portátil que mede a pressão intracraniana e evita a perfuração da cabeça do paciente levou à detecção de um novo sinal vital. Uma terapia à base de luz que promete acabar com os sintomas de alergia em 12 segundos. Com o metaverso, estudantes de medicina vão sentir, ao usar um simulador de cirurgias, a textura dos órgãos humanos ou o cheiro do bisturi elétrico queimando a pele. Essas são algumas das inovações na área de saúde que já estão no mercado ou são esperadas para um futuro, talvez não muito distante, segundo especialistas. 

Parte dessas novidades surgiu na pandemia e outras tiveram seus projetos acelerados nos dois últimos anos, período em que a covid-19 revirou o mundo de cabeça para baixo. Nesse cenário de demanda por soluções de saúde, as chamadas healthtechs nunca estiveram tanto em evidência. Segundo dados da Distrito, consultoria de inovação, as startups brasileiras de saúde receberam, no ano passado, investimentos de US$ 530 milhões, cerca de três vezes mais quando comparado a 2020, primeiro ano da pandemia. 

Entre as centenas de novidades que saíram do papel e já estão sendo testadas em hospitais de São Paulo e Rio de Janeiro, um dos destaques é o uso da inteligência artificial em exames de imagem. Atualmente, apenas uma parcela das informações que consta nesses exames é aproveitada. Uma tomografia de abdômen é solicitada para diagnóstico sobre doenças ligadas ao fígado ou pâncreas, mas também pode revelar se o paciente tem predisposição à osteosporose ou infarto. 

Outro exemplo é a tomografia de tórax que, nos últimos dois anos, foi muito usada para diagnóstico de covid-19, hoje pode ser reaproveitada para detectar riscos de AVC. Uma combinação de algoritmos é aplicada no exame de imagem, que fica gravado no computador, e mostra os riscos de aquele paciente ter um derrame cerebral. “Hoje, para medir os riscos de um AVC é preciso fazer uma tomografia trigada [ligada] a um eletrocardiograma”, diz Felipe Kitamura, superintendente da área de inovação médica da Dasa, responsável pelo projeto. O trabalho, que teve colaboração de estudiosos da Universidade de Stanford, na Califórnia (EUA), foi publicado na revista britânica científica “Nature”. 

Outro projeto com chancela brasileira que vem chamando atenção da comunidade científica americana é um dispositivo da Brain4Care que mede por meio de um sensor externo a pressão interna do crânio e dispensa uma perfuração na cabeça do paciente. Além de evitar um procedimento muito invasivo, esse dispositivo levou à possibilidade de acesso a um novo sinal vital: a pressão intracraniana, cuja alteração pode ser um indiciativo de AVC, tumor, infecção cerebral provocada por meningite. Até então, não era possível acompanhar essa pressão de forma constante e não invasiva. A descoberta de que a pressão intracraniana pode ser mais um sinal vital - ao lado de temperatura, pressão, dor, frequências cardíaca e respiratória - foi feita pelos neurocientistas da Singularity University, centro de inovação do Vale do Silício (EUA), aceleradora da Brain4Care. 
 

O dispositivo da Brain4Care recebeu aval do FDA (Food and Drug Administration) no fim do ano passado e está sendo estudado por médicos de universidades como Johns Hopkins e Harvard e das redes de hospitais Cleaveland e Mayo Clinic. No Brasil, os hospitais da Dasa, D’Or e Sírio Libanês já usam o dispositivo. A empreitada já recebeu investimentos de US$ 14 milhões de empresários como Horácio Piva (Klabin) e Laércio Cosentino (Totvs) e agora está em nova fase de captação, cuja meta é atrair um investidor institucional americano da área de saude. 

De acordo com Gustavo Araújo, presidente da Distrito, outras startups de saúde que vêm se destacando são aquelas voltadas à terapia on-line, com sessões que hoje podem ser encontradas por R$ 30. “Há um mercado para a terapia on-line. Há, por exemplo, 4 milhões de brasileiros morando fora do Brasil e uma parte deles gostaria de fazer terapia em sua língua nativa”, diz Araújo. Ele lembra que outra aposta são as chamadas femtechs, startups focadas na saúde da mulher. Existem aplicativos para acompanhamento da fertilidade, menopausa, sono pós-gravidez etc. Em outros países como Estados Unidos e China, cresce a procura por startups que financiam, por exemplo, apenas cirurgia plástica. 

No campo das empreitadas que estão em fase de ensaios clínicos, mas que chamam atenção, está um dispositivo que promete acabar com os sintomas de alergias 12 segundos após a aplicação de laser de luzes nas narinas dos pacientes. A tecnologia, conhecida como fotobiomodulação, foi apresentada pela startup americana Fluo Labs na SXSW 2022, festival de inovação que acontece em Austin, no Texas. A fotobiomodulação já é aplicada em tratamentos para dor e estética, mas ainda é novidade como tratamento para alergia. 

Outra área que também está atraindo investidores é de educação médica. Pebmed e Whitebook são aplicativos com conteúdo médico para tomada de decisão dos estudantes de medicina e médicos. “Eu e dois amigos criamos o aplicativo quando estávamos no último ano da faculdade de medicina. Tinhamos que levar nossas anotações feitas no caderno para o leito. Daí decidimos digitalizar, criamos um app que passou a ser baixado inclusive por alunos de outras faculdades”, conta Bruno Lagoeiro, um dos idealizadores da Pebmed, vendida ao grupo educacional Afya por R$ 133 milhões em 2020. 

 

As inovações que chegam aos olhos dos pacientes e população em geral costumam chamar mais atenção. Porém, atualmente, uma parcela relevante dos investimentos tanto no Brasil quanto nos EUA - primeiro e terceiro maiores mercados de saúde privada, respectivamente - está sendo pensada em projetos para saúde integrada - um modelo que seja capaz de acompanhar o paciente em todas as etapas de seu atendimento médico de forma centralizada. Hoje, é comum o paciente passar por vários médicos, realizar exames repetidos, e nem sempre tem um tratamento efetivo, o que eleva o custo da saúde, cuja inflação médica é cerca de três vezes superior ao IPCA. 

“A coordenação do cuidado é um dos grandes temas nos EUA”, diz José Guinle, sócio da gestora DNA Capital, maior fundo de venture capital da América Latina, que tem entre seus investidores a família Bueno. “O conceito de coordenação do cuidado é complexo porque são vários elos da cadeia integrados num sistema. Mas enxergamos como um grande potencial de crescimento diante do atual custo da saúde. Hoje, investimos em vários projetos dentro desse conceito”, diz Rodrigo Demarch, diretor executivo de inovação do Hospital Albert Einstein, responsável pela primeira incubadora de saúde do país, a Eretz. bio. 

A DNA tem olhado com mais atenção negócios envolvendo provedores de serviços médicos, educação médica e operadoras de planos de saúde. A gestora é acionista da Dasa, Memed (receita médica on-line), Beep (vacina domiciliar) e Inspirali (faculdade de medicina). No EUA, tem projetos de atenção primária, farmácia digital, entre outros. 

Fonte: Valor




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