A decisão da ANS foi vista como acertada por entidades de defesa do consumidor. Mas jogou um balde de água fria nos planos do grupo de empresários que havia fechado um acordo com a Amil para aquisição da carteira. Fazem parte do grupo a empresa de gestão de saúde Seferin & Coelho, que tem quatro hospitais no Sul do país, a gestora de investimentos Fiord Capital, do investidor Nikola Lukic, que atuou na Starboard, e o executivo Henning von Koss, ex-executivo da Medial e da Hapvida.
“O sentimento é de nadar contra a corrente”, disse Von Koss, em entrevista exclusiva a EXAME. “Como consigo alçar mais a bandeira de que nosso objetivo é levar esse negócio para um lugar melhor, não para um lugar pior?”, questiona.
Dentre os pontos que levaram à decisão da ANS está a avaliação de que os compradores da carteira não têm capacidade financeira suficiente para garantir o equilíbrio econômico-financeiro da empresa. O grupo investidor aguarda para conseguir se reunir com a ANS e tratar desse e outros pontos.
A avaliação dos empresários é de que os 2,4 bilhões de reais de capital definidos no acordo com a Amil são suficientes para fazer a empresa funcionar. “Temos muito interesse em entender o que preocupa a agência nesse ponto, uma vez que o capital disponível, mesmo se tudo piorasse muito, duraria por muito tempo”, diz Koss.
Ainda que o negócio não tenha se concretizado, o executivo afirma que o grupo investidor tem feito reuniões para tratar do descredenciamento de parte da rede que atendia essa carteira. Beneficiários se queixam de descredenciamento de hospitais e laboratórios. O executivo não descarta uma retomada de parte da rede que foi descredeciada, após negociações. “Estamos tentando entender se existe espaço para negociação, aparentemente existe”, diz.
A intenção do grupo é criar uma operadora de planos de saúde focada apenas em contratos individuais, pouco vendidos pelas grandes empresas do setor. A avaliação é de que a base de clientes vindos da Amil tem potencial para gerar um negócio saudável e lucrativo. Se o negócio sair do papel, a meta é dobrar a carteira de clientes nos próximos anos. “O que todo mundo trata como um problema, eu trato como a base da solução”, diz Von Koss.
As operadoras Amil e APS têm até a próxima segunda-feira (18) para se manifestar sobre o tema. Depois disso, a ANS vai tomar uma decisão definitiva sobre a possibilidade de transferência da carteira.
Veja a seguir os principais trechos da entrevista com Henning von Koss:
Como vocês receberam a decisão da ANS?
Tem um ponto específico sobre o qual nos manifestamos que é em relação à nossa capacidade financeira. Estamos querendo conversar com a ANS, temos muito interesse em entender o que preocupa a agência nesse ponto, uma vez que o capital disponível, mesmo se tudo piorasse muito, duraria por muito tempo. Mas ainda esse capital está aí para investir e promover o crescimento.
O nosso sentimento é de nadar contra a corrente. As manifestações sobre esse caso, de quase todos os entes, são favoráveis a essa decisão da ANS. O que queremos entender é onde está a chave para eu conseguir fazer as pessoas olharem para o copo meio cheio. Parece que existe uma tendência de pensar que esse sempre foi um tipo de plano problemático, que isso não vai mudar e então é melhor deixar como está. Como consigo alçar mais a bandeira de que nosso objetivo é levar esse negócio para um lugar melhor, não para um lugar pior? Eu entendo que é um conceito novo, um movimento arrojado, mas é um movimento pensado.
Qual é esse conceito novo?
De como gerenciar e trabalhar um plano individual. Até agora o plano individual sempre foi levado junto do empresarial. O foco principal das grandes empresas está sempre no empresarial, e o individual vai meio arrastado do lado. As soluções são não desenhadas para o individual. Elas são pensadas para o empresarial, e tenta-se aplicar no individual, mas a situação do individual é completamente diferente. Então o conceito é novo, é uma dedicação exclusiva ao individual. Temos o exemplo da Prevent Senior que conseguiu essa dedicação exclusiva com uma rede própria. O que tem de novidade para nós é conseguir fazer esse processo numa rede credenciada. Esse é o grande desafio.
O acordo com a Amil prevê que operadora transfira 2,4 bilhões de reais à APS, que é o capital com o qual vocês estão contando para iniciar o negócio. Há expectativa de precisarem de mais capital? Nos cálculos de vocês, esse dinheiro cobre quanto tempo de operação?
Nós olhamos para o capital necessário, discutimos isso, vimos que esse capital se converte em investimento, esse investimento se converte em melhora, essa melhora se converte em mais capital porque a empresa começa a vender mais, a empresa começa a dar resultado e a roda começa a girar. Nos nossos cálculos, os R$ 2 bilhões e os negócios decorrentes dos investimentos desses R$ 2 bilhões fazem a companhia ser estável e viável. Nossa projeção é de 10 anos, com resultados melhorando, e, a partir do terceiro ou quarto ano, chegando naquele objetivo de dobrar a carteira. Isso cria então um equilíbrio novo na carteira. Tem a carteira nova, mais oxigenada, junto com a carteira existente, que está se comportando melhor. A nossa leitura é que esse dinheiro é o suficiente para os investimentos necessários para fazer essa roda girar de novo.
E vocês têm um plano para conseguir uma garantia financeira maior, caso necessário?
A gente só prevê uma necessidade de mais capital para o crescimento acelerado, onde aí eu preciso ter garantias porque cresci muito mais rápido do que eu podia. Se existe um grande problema é eu crescer rápido demais e não conseguir acompanhar com as minhas estruturas. Aí preciso de capital. Mas esse é um capital fácil de atrair dentro do mercado de capitais, porque o mercado de saúde é um mercado de investimento constante. Todo mundo quando abre uma empresa ou desenha um plano de negócios, joga em cima de premissas, de experiencias, de condições para que o negócio dê certo.
Acha que faltou uma comunicação mais transparente com a agência e com o beneficiário?
Comunicação sempre é um tema que é passível de muita melhora. Depois do jogo dá para saber onde o técnico poderia ter feito diferente. Do nosso lado, relacionado aos nossos planos de negócio, o que queremos fazer, quem somos nós, nós pecamos muito. Primeiro teve a leitura de que era uma empresa só, que não tinha nenhum conhecimento por trás. Acho que o timing da comunicação poderia ter sido muito melhor. Agora, o quanto isso influenciou uma coisa ou outra nunca vamos saber.
Caso a compra da carteira não se concretize, vocês vão iniciar uma operadora de planos individuais mesmo assim? Do zero?
Essa pergunta a gente se faz todo dia. Os fundamentos do nosso negócio estão muito apoiados na existência de uma plataforma forte, o número de vidas, a rede credenciada, e assim por diante. Essa plataforma permite muita alavancagem e tem um papel muito forte na história. Sem ela o conceito sozinho funciona, mas demora muito mais, demanda um esforço e uma linha de pensamento completamente diferentes. Então eu não posso dizer que não. Mas continuo otimista de que isso ainda vai dar certo. Os grandes fundamentos vêm da força dessa plataforma. O que todo mundo trata como um problema, eu trato como a base da solução.
A transferência da carteira tem sido muito criticada por beneficiários, pois houve descredenciamento de hospitais e laboratórios. Vocês não são donos da carteira ainda, mas isso atrapalha o negócio de vocês. Estão em contato com a UnitedHealth para discutir esses pontos?
Sim, e não só com eles. A gente foi tentar entender, sentamos com o Procon e vários outros atores. Existem 294 reclamações no Procon. Fomos tentar entender, dentro do limite do que a gente pode, qual a causa raiz, a linha de pensamento. Conversamos até com aqueles provedores que foram descredenciados, ou parcialmente descredenciados. Não quer dizer que tudo pode ser revertido, mas coletamos os dados, desenhamos estratégias e começamos a desenhar possíveis soluções para resolver isso. Mas sim, isso atrapalha muito, esse ruído todo, essa insatisfação, qualquer que seja a razão dela, por parte do beneficiário. Nos incomoda muito essa questão do nível de satisfação.
O descredenciamento não foi uma condição para vocês fecharem um acordo a Amil?
Não, de maneira nenhuma, e nem faria sentido. Por que eu ia pedir o descredenciamento de alguém? Tem essa teoria da conspiração de que esse descredenciamento força as pessoas a saírem do plano. Mas, se eu preciso das pessoas, por que eu forço elas a saírem? Isso não faz sentido do aspecto lógico. E aí voltamos àquela ideia de que está todo mundo conspirando para ver se acaba com o plano individual. Gostaria que alguém colocasse o benefício da dúvida, de dizer ‘esses caras têm um conceito que pode dar certo’. Eu tenho certeza que dá certo.
É possível que haja uma retomada de pelo menos parte da rede que foi descredenciada?
É possível. Onde tenha essa possibilidade e essa necessidade, e que atenda o interesse de todos, sim. Estamos tentando entender se existe espaço para negociação, aparentemente existe. Não é reverter por reverter, mas se vermos que é melhor ajustar porque isso faz bem para todos. E pode ser que não faça sentido no conceito da grande empresa com plano empresarial e onde os planos individuais entram junto, mas pode fazer sentido quando é só para o plano individual.