A pandemia de covid-19 transformou a telemedicina de prática eventual em modalidade comum adotada por pelo menos metade dos médicos. Agora, passado o período de confinamento, profissionais e instituições da área debatem o papel, as vantagens e os riscos da consulta remota. E buscam estabelecer uma regulação para definir seu funcionamento.
Enquanto a telemedicina reduz tempo e despesas, e permite assistência a doentes distantes, ela não contempla o contato essencial entre médico e paciente. “O atendimento remoto limita muito o médico no relacionamento com o paciente”, diz Antonio Carlos Endrigo, presidente da Associação Médica Brasileira (AMB) e diretor de tecnologia de informação da Associação Paulista de Medicina (APM). Para Endrigo, é essencial que o médico possa fazer a apalpação do paciente, tocando seu corpo com os dedos, observando sua cor, cheiro e reações, procedimentos que a consulta on-line não possibilita.
É esperado, contudo, que a telemedicina pós-pandemia cresça em suas várias possibilidades. Por exemplo, facilitando o contato do paciente com o médico, o acesso a resultados de exames, agilizando retornos e permitindo a troca de informações entre médicos e equipes médicas. Mas ela não substituirá o atendimento em consultório. “A consulta presencial poderá ser reduzida, mas não desaparecerá de forma alguma”, diz Endrigo.
Pesquisa realizada pela AMB/APM em janeiro deste ano com 3.517 médicos de todo o país revelou que metade usou telemedicina durante a pandemia e pretende manter esse recurso.
Para o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), o atendimento remoto é uma ferramenta a mais do atendimento médico, que pode auxiliar abrindo novas possibilidades, principalmente em casos nos quais os pacientes moram em regiões remotas, sem serviço médico de difícil acesso, diz Wagmar Barbosa de Souza, da assessoria de comunicação do Cremesp.
No momento, o Conselho Federal de Medicina (CFM), entidade que fiscaliza e normatiza a atividade médica, prepara uma resolução para nortear o emprego da telemedicina no Brasil. O debate em torno da consulta on-line se precipitou com o confinamento imposto pela crise sanitária e a legislação contribuiu. Em abril de 2020, no começo da pandemia, a Lei 13.989 autorizou o uso da telemedicina “enquanto durar a crise ocasionada pelo coronavírus”. Dizia também que competirá ao CFM a regulamentação após esse período.
As atividades presenciais já retornaram, mas as regras sobre a telemedicina ainda estão sendo definidas. O Projeto de Lei 1998/2020, da deputada Adriana Ventura (Novo-SP) aguarda para ser votado agora em abril. Pelo menos um ponto ainda está pendente. Parte das entidades defende que, para adotar a telemedicina, a primeira consulta deve ser presencial. Outra parte alega que tanto a decisão da consulta on-line, quanto a modalidade do primeiro atendimento, deve resultar de um comum acordo entre médico e paciente.
AMB e APM defendem que, sempre que possível, o atendimento seja presencial. “Só deve ser remoto em casos de exceção, quando o atendimento precisa ser rápido ou quando não há serviços de saúde ou a especialidade médica naquela região”, diz Endrigo.
Foi com o papel desempenhado durante a crise sanitária, que o atendimento médico remoto mostrou sua importância. A telemedicina foi fundamental para desafogar os pronto-atendimentos, fazer o monitoramento de pacientes em isolamento em casa, permitir teleinterconsulta entre médicos intensivistas e médicos clínicos-gerais em UTIs. Além de facilitar o acesso a médicos especialistas em regiões remotas.
Os números mostram que a prática já está difundida. Segundo a Associação Brasileira de Empresas de Telemedicina e Saúde Digital (Saúde Digital Brasil), 7,5 milhões de atendimentos on-line foram feitos no Brasil entre 2020 e 2021 e 87% deles foram primeira consulta. Cerca de 52 mil médicos fizeram algum atendimento remoto nesse período, e 91% dos pacientes disseram que as consultas à distância resolveram suas queixas.