Falta de planejamento federal agravou represamento de serviços de saúde
29/03/2022

A pesquisa “A funcionalidade do sistema de saúde brasileiro em meio a pandemia de Covid-19: uma análise de resiliência” publicada recentemente na The Lancet Regional Health: Americas e elaborada por pesquisadores do FGV-Saúde da Fundação Getúlio Vargas e da Faculdade de Saúde Pública da USP mostram o impacto que a pandemia de Covid-19 teve nos serviços não-Covid do SUS.

O Brasil é reconhecido internacionalmente pelos avanços conquistados na saúde desde a implantação do SUS. Entretanto, eventos inesperados como pandemias produzem “choques” que a resiliência do sistema de saúde e demandam coordenação em diversos níveis governamentais. Sob a vigência de medidas de políticas de austeridade fiscal desde 2016, o SUS encontrava-se já fragilizado para lidar com a pandemia de Covid-19. Além disso, a ausência de uma coordenação federal fez com que governos subnacionais tomassem frente da resposta à pandemia. Ficou a cargo de governos estaduais e municipais a responsabilidade por manter as provisões do sistema de saúde para lidar com problemas de saúde não relacionados a pandemia.

 

Os pesquisadores verificaram que o governo federal não levou em consideração que alguns estados e municípios necessitavam de maior aporte de transferências federais devido a sistemas de saúde com maior fragilidade. Isso fez com que as esferas municipais e estaduais de locais mais vulneráveis gastassem proporcionalmente mais do que regiões mais ricas e com sistemas de saúde mais robustos.

A injeção de recursos fez com que o número de leitos aumentasse expressivamente, mesmo que de forma tardia devido a demora de medidas provisórias do governo federal. Paralelo ao aumento de leitos, esteve o aumento de cargos de enfermagem, técnicos de enfermagem, fisioterapeutas e de forma mais modesta, de médicos. Os pesquisadores ressaltam que esse foi um aumento de cargos e não no número de profissionais, o que significa que profissionais de saúde tiveram que pegar turnos adicionais em instituições diferentes para suprir a demanda causada pela pandemia. Esse fator contribuiu para as diversas notícias de trabalhadores da área de saúde sobrecarregados com o trabalho durante a pandemia.

O mais preocupante é que esses esforços não foram suficientes para impedir o represamento de procedimentos não destinados a Covid-19. Os pesquisadores relatam uma redução de procedimentos de triagens (−42,6%); diagnósticos (−28,9%); consultas médicas (−42,5%); cirurgias de baixa e média complexidade (−59,7%); cirurgias de alta complexidade (−27,9%); transplantes (−44,7%) e tratamentos e procedimentos clínicos por lesões de causas externas (−19,1%). A queda mais significativa nos procedimentos ocorreu no primeiro trimestre da pandemia, seguida de aumento progressivo; a maioria das regiões ainda não havia se recuperado até o final de 2020.

O represamento é extremamente preocupante e causará forte pressão no SUS durante os próximos anos. O SUS, que já estava enfraquecido, terá que lidar com um maior volume de pacientes chegando no sistema de saúde com estágios avançados de condições que necessitavam de diagnósticos precoces. Aqueles que não forem a óbito necessitarão de tratamentos mais avançados e mais caros, pondo também pressões orçamentárias ao sistema. As políticas vigentes que negam ao SUS os recursos dos quais ele precisa, serão responsáveis pela morte e sofrimento dos grupos mais expostos aos riscos pandêmicos, desprezando o direito de todas as pessoas de ter acesso a uma atenção à saúde integral, segura e de qualidade.

“Nosso estudo traz à luz a gravidade do represamento de serviços do SUS. É de extrema importância que o governo federal e os governos municipais e estaduais criem estratégias para mitigar os impactos que virão. A pandemia de Covid-19 é mais do que apenas os números de casos e óbitos por infecções de coronavírus. Os impactos do represamento ja estão sendo vistos no país, mas nós podemos evitar que ele afogue o SUS nos próximos anos,” afirma o autor principal do estudo Alessandro Bigoni, doutorando da FSP-USP e pesquisador associado ao FGV-Saúde que no momento está como pesquisador visitante em Harvard.





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