A Inteligência Artificial (IA) já superou o ciclo hype e se estabeleceu como uma tecnologia viável, mas continua com dificuldades para demonstrar valor ao setor de saúde, segundo os especialistas que participaram do webinar “Inteligência Artificial na Saúde”, promovido pela Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp). “A IA ainda é mais uma promessa do que uma realidade na saúde”, admitiu Daniel Branco, fundador e CEO do Medicinia. Para o diretor-executivo do Instituto de Radiologia do HCFMUSP (InRad), Marco Bego, essa impressão é reforçada porque, quando a inovação surgiu “parecia que ia provocar uma revolução, mas as coisas estão demorando um pouco mais para acontecer”.
Victor Gadelha, head of Health Innovation no Hospital Operations da Dasa, lembrou que “os primeiros resultados estão começando a ser entregues”, mas ainda concentrados principalmente na gestão operacional. Os avanços para contribuir com o desfecho clínico, área que desperta mais expectativa, continuam “engatinhando”.
Outro desafio encontrado, apresentado por Marcelo Felix, diretor médico do IN.LAB do HCFMUSP, é que “o processo sempre esbarra nos dados”, que são poucos e sem padrão definido. “O paciente normalmente passa por vários ecossistemas que não se comunicam”, explicou o especialista. Além disso, ainda existe um “apagão” de informações qualificadas nos períodos em que ele está fora do hospital, “quando muitos dados colhidos simplesmente refletem erros”. Tudo isso complementado pelo grande volume de material que nem foi digitalizado, problema que também afeta a interoperabilidade.
Conhecimento
O valor para a saúde ainda está camuflado por má utilização e pouca compreensão da IA. “A maior parte das melhorias nos processos não necessita de IA, que é um ‘tiro de canhão’ inadequado para situações simples”, afirmou Branco, do Medicinia, destacando que enganos nesse sentido produzem projetos que são interrompidos pela metade e viram focos de desperdícios e expectativas frustradas. “Milhões foram gastos com propostas que não funcionaram”, completou Felix, do IN. LAB do HCFMUSP. Por isso, Branco recomendou que “é preciso compreender bem a pergunta antes de começar a procurar as respostas”.
Felix seguiu o raciocínio alertando que é necessário formar mais profissionais de saúde — ou gestores — com conhecimento de IA para liderar a implantação da tecnologia no setor. “São eles que vão nortear os engenheiros para a solução correta”, disse. O engenheiro Marco Bego, do Instituto de Radiologia do HCFMUSP, concordou, reforçando que o comando dos projetos deve ser sempre do gestor e que “a visão tem que ser do negócio e não técnica”.
Cultura
Da mesma forma, é fundamental que as equipes de saúde sejam aderentes à tecnologia para os resultados aparecerem. “Em geral, são profissionais com rotinas carregadas. Temos que demonstrar que vamos economizar e não tomar mais tempo deles”, ressaltou Bego. “Também por isso é importante começar com aplicações fáceis e de retorno rápido”, sugeriu Branco.
No caso dos médicos, Felix apontou a necessidade de mostrar a “validação clínica” das soluções. “É uma profissão regulada e eles precisam de respaldo para incorporar as inovações no dia a dia”, avaliou.
Regulamentação
Com isso, o debate chegou à necessidade de uma regulamentação para as plataformas e softwares, que deve ser significativamente mais ágil do que acontece com outros insumos na saúde, como os medicamentos. “Os produtos de tecnologia têm atualizações praticamente diárias”, lembrou Branco.
Apesar de todos esses desafios, os especialistas seguem otimistas no emprego da IA como ferramenta para aperfeiçoar o desfecho clínico para os pacientes. Principalmente em relação à predição de doenças, diagnósticos mais precisos, sobretudo em condições invisíveis para os médicos, e desenvolvimento de equipamentos inteligentes, como uma muleta que ‘aprende’ e se adapta com o tempo às exatas dificuldades de equilíbrio do paciente. Uma revolução, portanto, ainda prestes a acontecer.