A combinação entre Rede D’Or, até então uma companhia independente de hospitais, com a SulAmérica, um negócio de planos de saúde, traz duas conclusões. A primeira e mais óbvia é que transação, no valor de mais de R$ 15 bilhões, mostra que a verticalização do setor é de fato um modelo vencedor. E vale lembrar que, na abertura de capital da Rede D’Or, que foi outro dia, o discurso não era esse: o plano era consolidar mais e mais hospitais. A segunda é que a consolidação nesse mercado vai se acelerar.
O que fez todo mundo colocar o pé no acelerador foi a fusão entre Hapvida e Notre Dame Intermédica. Ela criou um grupo realmente nacional, o único que de verdade tem essa abrangência, e com um tamanho realmente de assombrar. Juntas, as empresas podem valer em torno de R$ 100 bilhões de reais — mesmo valor de mercado de Rede D’Or. Ter uma companhia de capital aberto com esse tamanho significa ter muita bala na agulha. Ação é moeda de troca.
A consciência de que o próximo passo dessas empresas juntas, que lideram disparado o mercado de planos mais acessíveis, será buscar produtos mais premiuns fez todo mundo ligar os radares. Até mesmo as famílias Moll e Larragoiti, controladoras respectivamente de D’Or e SulAmérica, que atuam no topo da pirâmide.
Dito isso, a compra da SulAmérica, que tem mais de R$ 20 bilhões de receita anual e quase 2,5 milhões de beneficiários em saúde, aumenta o interesse da D’Or pelos ativos da Amil, que são do United Health Group (UHG), uma operação com 3,3 milhões de vidas atendidas em saúde e faturamento líquido inferior a R$ 15 bilhões. Por que?
A resposta é simples: não faz sentido ser parcialmente verticalizada. E ter uma operação de planos que verticalize a estrutura da Rede D’Or hoje, que já tem mais de 70 hospitais, precisa de mais clientes. Bem mais do que a SulAmérica traz. Em uma conclusão cartesiana: a D’Or vai precisar comprar mais e rápido, porque os demais concorrentes do setor não vão ficar assistindo de camarote.
A família Moll já deixou claro, com sua expansão na última década, que consolidação é um negócio que eles sabem fazer e que diluição, em prol de um bom crescimento, é algo que eles topam. Hoje, a família tem cerca de 50,5% do capital da empresa. Após a transação, deixarão de ser majoritários e a base acionária da SulAmérica vai representar 13,5% da companhia combinada.
A estimativa — na famosa conta de padaria — de quem conhece o setor de perto é que D’Or precisaria entre 5 e 6 milhões de vida para conseguir otimizar sua estrutura. Mas podem ser muito mais do que isso. A verticalização dará à D’Or uma capacidade absolutamente nova e melhor de desenvolver e criar produtos. Uma informação é vital nessa compreensão: a empresa de hospitais dos Moll já é hoje o maior fornecedor de serviços da SulAmérica, logo, seu maior gasto.
Há um ponto importante a se lembrar, porém, a verticalização do setor na baixa e na alta renda são diferentes. Enquanto nos planos mais acessíveis, a integração pode ser completa e exclusiva — onde o beneficiário só usa a estrutura da companhia — , no mercado mais premium é preciso deixar o usuário livre, com poder de escolha. Para o dia-a-dia, isso significa que nem D'Or atenderia apenas sua rede, nem SulAmérica ofertará apenas essa infraestrutura.
O negócio não deve encontrar resistência no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), uma vez que se trata de uma verticalização e não de uma concentração de mercado horizontal do tipo Hapvida e NotreDame Intermédica. Mas é certo que a Agência Nacional de Saúde (ANS) está atenta a tudo que ocorre no setor. A verticalização não se mostrou, porém, ruim para os consumidores, bastante o contrário disso.
Cada uma das duas, D'Or e SulAmérica, tem receita anual superior a R$ 20 bilhões ao ano. Entretanto, esse tipo de transação não é exatamente a soma das partes. Ele tem capacidade de modificar a estrutura de custos e receita, além do mercado acessível. Para a D’Or, que está se expandindo cada vez mais para além dos grandes centros, a capilaridade que os seguros de saúde trazem é também uma vantagem importante.
Antes do anúncio desse negócio, D’Or já estava na fila de senhas para o momento em que o UHG se sentisse pronto para fazer uma combinação de seus ativos no país. Para o grupo americano, participar de algo desse porte é algo que faz muito sentido no discurso para seus investidores: é sair da gestão (complicada) de Brasil, mas não da exposição ao setor no país — terceiro maior mercado mundial de saúde privada.
Entretanto, a concorrência não deve ser pequena. Dasa, que foi controladora da Amil antes da venda ao UHG, é outra forte candidata. Conhece o ativo e sabe exatamente onde moram suas riquezas, e fraquezas. E Bradesco Seguros, que vive sob a sombra da frondosa saúde de um grupo financeiro, já olhou com interesse para a operação no passado. A Amil é o ativo mais óbvio e maior à disposição. Depois, o setor é preenchido por diversas companhias de planos de saúde de médio a pequeno porte — afinal, o Brasil é grande.
A notícia é boa e ruim para os investidores: um setor mais eficiente. Mas, o outro lado da moeda é que consolidações desse porte acabam tornando os preços mais salgados e o curto prazo, às vezes, mais apertado, seja com diluições, seja com dívida.
Quem pode sofrer um pouco com tudo isso são as healthtechs de planos individuais. Até agora, elas tiveram um tremendo espaço para um sprint, dado o custo da saúde privada no Brasil. Se o setor se tornar mais eficiente, a gordura que sobra para elas trabalharem é menor.
Para o consumidor o saldo de todos os agitos e novidades no setor é positivo: em tese, empresas mais eficientes podem cobrar preços mais acessíveis para fazer o setor de planos de saúde voltar a deslanchar, depois de uma década parado em 45 milhões de vidas atendidas.