O avanço dos casos de covid-19 no Brasil e a alta na demanda por atendimento médico voltaram a obrigar hospitais, principalmente os da rede pública, a adiarem cirurgias eletivas e atendimentos de pacientes com outras doenças. E a situação deve piorar nas próximas semanas em meio à atual fase de disseminação descontrolada da variante ômicron do coronavírus.
Esse é o quadro descrito pela médica Ludhmila Hajjar, cardiologista e intensivista, professora de cardiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e diretora da cardio-oncologia InCor-ICESP. Ela tem se dedicado ao atendimento de pacientes com covid e à pesquisa sobre a doença.
“Nós estamos vendo já uma sobrecarga imensa na maior parte dos hospitais públicos”, afirmou ela, nesta quarta-feira (26), na “Live do Valor”.
E acrescenta: “Quando a gente cancela cirurgia, deixa de atender paciente cardiopata, deixa de atender paciente com câncer, significa que o sistema já está colapsado”.
Nesta quarta, 219.878 novos casos conhecidos de covid-19 foram registrados no país em 24 horas, segundo o levantamento do consórcio de veículos de imprensa feito junto às secretarias estaduais de Saúde. O total de infectados subiu para 24.553.950. A média móvel de diagnósticos nos últimos sete dias foi de 161.870 — a maior marca registrada até aqui e nono recorde seguido —, um avanço de 169% em relação aos casos registrados em 14 dias.
Hospitais privados têm mais elasticidade para abrir leitos e contratar mais médicos. A dificuldade maior é mesmo para hospitais públicos.
Hospitais sobrecarregados foram uma das marcas da pandemia no Brasil em 2020 e em 2021. Desta vez, apesar da pressão nas redes públicas, o cenário não é tão caótico como antes.
Ludhmila chamou atenção para o possível efeito da ômicron nas próximas semanas provocado pela não vacinação de uma parcela da população.
O que nesta fase faria diferença? Testagem em massa, isolamento dos contaminados e uma campanha para estimular logo a conclusão do esquema vacinal da dose de reforço, disse a médica. Mais: manter as máscaras e não menosprezar a possibilidade que sintomas gripais possam ser covid também ajudariam na redução do ritmo das infecções. E fugir de aglomerações. “Não é o momento de festas de casamento, de encontros em bares e restaurantes”, disse ela.
A médica, que no ano passado recusou o convite para ser ministra da Saúde, fez, na live, diversas críticas à conduta do governo federal na pandemia. “Hoje eles não podem imaginar quão negativo é todo esse movimento que eles têm feito [de resistência à vacinação, de desestímulo à máscara], esse negacionismo todo, quão negativo isso tem sido no que se refere ao combate a covid-19”, afirmou ela. “Quantos brasileiros deixaram de se vacinar, quantos estão deixando de levar os seus filhos para se vacinarem.” Ludhmila citou que há alta de casos de crianças nos EUA e no Brasil. “É uma doença que duas picadas no braço vai evitar a morte de uma criança, vai evitar o sofrimento de uma família.”
Aulas presenciais
Sobre volta às aulas presenciais, ela partilha da visão dominante entre médicos: devem ser mantidas. Máscaras, distanciamento entre as crianças, cuidados de higiene são essenciais no retorno, disse ela. Mas a médica faz uma ressalva.
“Uma pandemia tem aspectos dinâmicos que nós hoje não conseguimos prever. Vamos imaginar que em duas ou quatro semanas as contaminações continuem se elevando progressivamente. Aí nós podemos mudar de ideia [em relação às aulas presenciais] e retroceder. Isso faz parte do panorama de uma pandemia.”