Recentemente o Ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, anunciou que o governo estuda editar uma medida provisória ainda este ano para criar um sistema de “open health” inspirado na plataforma de “open banking”, sistema idealizado pelo Banco Central para dar maior transparência ao setor bancário.
Mas, na prática, o que isso significa?
Imagine quando você vai à uma consulta médica e pedem um exame, que você sabe que fez recentemente, mas não sabe onde está? O médico poderá acessar, após a sua autorização via token ou outra tecnologia.
Tipo, não preciso mais levar exames prévios, laudos, imagens, prescrições, atestados e outros registros de procedimentos que fiz, nunca mais?! Exatamente!
Ou… imagine um familiar seu, em viagem sozinho, sofreu um acidente e na emergência a equipe de atendimento identifica que ele tem alergia a um medicamento e evita complicações.
E isso pode ajudar inclusive a agilizar as filas de emergência, porque não precisará passar por algumas triagens? Eles vão ter meus dados que se eu autorizar? Exatamente!
Outro exemplo, poderia ser o seu interesse em trocar de plano de saúde… e todas aquelas perguntas sobre seu histórico de doenças pré-existente você pode autorizar em um click, garantindo a portabilidade em segundos (o que leva mais de 90 dias hoje)…
Tudo isso porque esse Open Heatlh oportuniza o compartilhamento dos Registros eletrônicos de saúde, tanto dos atendimentos do sistema único de saúde, o SUS, quanto os privados e de operadoras de planos de saúde, onde a informação é propriedade do paciente e só tem acesso quem ele autoriza.
Para ter uma ideia do quanto isto é inovador e disruptivo, não existe em nenhum lugar do mundo algo assim funcionando 100%. Existem iniciativas com algum sucesso nos Estados Unidos, na Europa, com destaque para Espanha e, no México. Existe no Brasil algumas iniciativas regionais, que posso citar o Pacto Alegre, com o Projeto da Saúde Digital , mas ainda não está em operação.
Eu, como gestora do BIOHUB, inovação em saúde da PUCRS, através do TECNOPUC, estou participando de um projeto piloto já em implantação, desenvolvido pela startup SISQUALIS , que conecta o prontuário eletrônicos do Hospital São Lucas da PUCRS, que utiliza os sistema SoulMV e o Hospital Ernesto Dorneles , que utiliza o Tasy. Um modelo que validado, pode ser multiplicado para diversas outras instituições, pois são os principais ERPs dos hospitais do país, com padrões diferentes, conectados, gerando eficiência operacional, agilidade, melhor experiência aos profissionais de saúde, e entrega de valor consistente aos pacientes.
Ah, mas, e essa história de roubarem os dados na internet? Isso que aconteceu com o SUS das vacinas da Covid? Excelente pergunta! Porque este é um dos motivos que este “mundo perfeito” ainda não virou realidade no Brasil e em nenhum lugar do mundo!
Por isso que só agora estes movimentos têm evoluído. Já existe tecnologia para isso! Um exemplo (que não é o único), são as “blockchain ”, palavra que ficou famosa por causa das bitcoins e criptomoedas, mas na prática significa tecnologia de registros distribuídos (em inglês chamadas de distributed ledger technology, ou DLT). Em resumo, para leigos como eu, são rede de informações que suas transações são protegidas por criptografia, organizadas em blocos conectados uns aos outros. O que garante a segurança e sigilo que precisamos com dados de saúde, principalmente porque, depois processar e autenticar/validar a transação, é impossível alterar ou excluir as informações.
Vencida a questão de risco de invasão, exclusão ou modificação de informações, ainda teríamos o desafio de conectar diferentes sistemas e aplicativos de softwares. Pra isto existe outro conceito, a interoperabilidade, que permite a troca de informações entre vários sistemas, de forma que possam atuar cooperativamente fixando as normas, políticas e/ou padrões para e gerando resultados efetivos!
Depois, a discussão é a padronização de dados, mas já existem movimentos importantes neste sentido há alguns anos, como a TISS (Troca de Informação de Saúde Suplementar), HL7 (Health Level Seven), HIS (Hospital Information System) ou CIS (Clinical Information System), só para dar alguns exemplos.
Voltando para a vida real, de um ponto de vista de governança, estes sistemas todos fazem um barramento, ou cruzamentento de dados, contribuindo de forma decisiva, em questões como LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), auditorias, controle de compartilhamento de informações do titular com outros sistemas e aplicativos, facilitando o controle do consentimento de acesso a informação, melhorando a portabilidade dos dados clínicos, além de permitir que se construa um ambiente (datalake) para consultas e análises de perfil epidemiológico.
Governos e planos de saúde possam analisarem as características de saúde das populações e planejar ações que ajudem a distribuir mais vacinas, planejar a compra e logística de remédios para doentes crônicos, e até criar pesquisas para doenças mais recorrentes, evitando até epidemias.
Em resumo, o Open heatlh é uma grande oportunidade, um caminho que o sistema de saúde do Brasil e do mundo precisa trilhar. Se o nome vai mudar, se outras tecnologias vão facilitar, isto não sabemos, mas nos próximos anos veremos uma revolução no sistema de saúde muito além da telemedicina.
*Diana Jardim é coordenadora de Inovação do Hospital São Lucas da PUCRS e do BIOHUB da saúde no Parque Tecnológico da PUCRS – TECNOPUC.