Quando pensamos sobre a transformação digital na área da saúde, tendemos a nos concentrar no uso da análise de dados para melhorar a tomada de decisões clínicas. Por exemplo, com os avanços em ciência comportamental e em machine learning, tornou-se possível fornecer medicina de precisão, onde terapias e intervenções são adaptadas com base no perfil genético do indivíduo. Além disso, algoritmos de inteligência artificial (IA) estão sendo cada vez mais usados para melhorar a detecção visual de sinais de doença em áreas como radiologia, dermatologia, gastroenterologia, oftalmologia e patologia.
No entanto, aproveitar a transformação digital da saúde apenas para as decisões clínicas é um erro. Com base em uma discussão divulgada recentemente no Harvard Business Review e nos avanços na maneira como hospitais vêm unindo dados e tecnologia, é possível observar que a transformação digital tem um papel importante também nas decisões operacionais – o que leva a melhorias na qualidade e na eficiência do atendimento aos pacientes.
Sistemas data-driven podem fornecer informações valiosas para ajudar a tomar decisões como triagem, admissão e alta. Por exemplo, quando um paciente chega e o profissional não tem certeza se ele deve ser enviado para a UTI ou uma enfermaria geral, um algoritmo de apoio à decisão pode fornecer recomendações com base no benefício previsto da admissão na UTI para esse paciente em particular. Uma pesquisa americana analisou os dados de mais de 190.000 hospitalizações em 15 hospitais dos EUA e mostrou que quando os pacientes que tinham uma necessidade clínica de admissão na UTI foram admitidos em outra área do hospital (por exemplo, uma enfermaria geral), isso gerou internações mais longas e maior taxa de readmissão.
Algoritmos de machine learning e suporte à decisão também podem ser usados para prever o número esperado de admissões, altas e transferências entre alas, orientando as ações subsequentes. Isso pode facilitar o processo de movimentação do leito, melhorando o fluxo de pacientes e reduzindo o tempo de internação. As previsões para enfermarias individuais podem servir como entradas para um painel de gerenciamento de leitos em todo o hospital, que pode ser usado não apenas para exibir o status atual de cada enfermaria, mas também para fornecer previsões para o status futuro de todo o hospital.
Por exemplo, o Beth Israel Deaconess Medical Center (Boston/EUA), em colaboração com uma equipe de pesquisadores de operações do MIT, implementou painéis de controle para apoiar as decisões de admissão e transferência exibindo o censo atual de cada ala, bem como o número projetado de altas. Da mesma forma, o Boston Children's Hospital usa um sistema de que permite ao departamento de emergência saber quais pacientes provavelmente serão internados no hospital e em qual enfermaria. Os painéis de gerenciamento de leitos em todo o hospital permitem um planejamento mais claro e uma comunicação aprimorada entre as diferentes enfermarias, e podem ser desenvolvidos para fornecer alertas automatizados sobre o sistema, como por exemplo quando o tempo médio de espera para uma nova cama excede um limite predeterminado.
Algoritmos podem também ajudar a prever tanto as taxas de absenteísmo entre as equipes de enfermagem quanto as necessidades diárias do hospital, cruzando os dados para determinar preventivamente o número certo de enfermeiros a serem acionadas. Com isso, é possível que o hospital se antecipe a potenciais problemas e responda mais rapidamente a eles.
A análise de dados também pode ser aproveitada para otimizar a equipe. Um estudo analisou equipes de cirurgias cardíacas que realizaram mais de 6.000 cirurgias ao longo de sete anos e demonstrou que a familiaridade entre os membros da equipe tem implicações significativas na produtividade desses profissionais. Embora seja quase impossível utilizar esse insight ao tentar formar equipes manualmente, uma IA pode incorporar facilmente essas informações, ajudando a determinar a composição ideal da equipe e a fornecer recomendações sobre as estruturas e divisões de staff.
Embora muitos hospitais hoje já trabalhem com a captura e armazenamento eletrônico do prontuário, o agendamento de vários recursos ainda é, em grande parte, um processo manual. Isso se aplica ao agendamento de procedimentos cirúrgicos em salas de cirurgia, exames em salas de radiologia e muitos outros. Essa é outra área onde as tecnologias digitais podem trazer melhorias substanciais - não apenas prevendo melhor as necessidades de recursos e incorporando sem esforço alterações e cancelamentos de última hora, mas também otimizando cronogramas com base nas pesquisas mais recentes.
Algoritmos de machine learning podem ser usados para prever melhor a duração procedimentos como cirurgias ou ressonâncias magnéticas. O Centro Médico Beth Israel Deaconess, por exemplo, utiliza ferramentas desenvolvidas pela Amazon para reservar horários de sala de cirurgia com mais precisão. Outra aplicação possível do machine learning, nesse cenário, é prever o tempo que cada paciente deve passar na unidade de tratamento pós-anestésico após uma cirurgia, otimizando o fluxo e permitindo um uso mais eficiente dos recursos.
Nos Estados Unidos, os hospitais gastaram uma média de US $11,9 milhões em suprimentos médicos e cirúrgicos em 2018. Apesar disso, melhorar a cadeia de suprimentos e o gerenciamento de estoque muitas vezes não é considerado uma alta prioridade para os hospitais, que tendem a se concentrar mais nos processos que envolvem o atendimento direto ao paciente. No entanto, uma cadeia de suprimentos confiável é indispensável para oferecer atendimento de alta qualidade.
Em muitos setores, a transformação digital em supply chain demonstrou reduzir os custos do processo em 50% e aumentar a receita em 20%. Ao automatizar o processo de coleta de dados, pedidos, reconciliação e pagamento de suprimentos médicos, cirúrgicos e farmacêuticos, os hospitais podem reduzir os custos relacionados à cadeia de suprimentos e ao gerenciamento de estoque. Durante a pandemia, melhorar a agilidade e a resposta aos problemas de abastecimento tornou-se ainda mais urgente. Com isso, gestores hospitalares estão cada vez mais utilizando dados e tecnologia para obter insights sobre estoque, preços, prazos de entrega e tendências de demanda.