O aporte é liderado pelo SoftBank Latin America Fund (SBLA) e é acompanhado pelos fundos Kaszek e ThornTree Capital Partners — que já estavam em rodadas anteriores. Conta também com novos investidores, como Allen & Company LLC, G Squared, Globo Ventures, StepStone, além de investimentos realizados por especialistas de saúde que são parceiros da Alice. Os fundos Canary, Endeavor Catalyst e Maya Capital seguem como acionistas.
Com apenas 18 meses de operação, a Alice se propõe a ir além de um plano de saúde convencional, com uso da tecnologia para realizar a gestão recorrente da vida dos pacientes — chamados de membros — de modo abrangente, com acompanhamento do histórico de saúde de maneira acessível pelos dois lados: médicos e usuários.
"A rodada com esses investidores mostra que estamos no caminho certo de pensar na gestão de saúde com foco em resultados de longo prazo, sem buscar atalhos", disse André Florence, CEO e cofundador da Alice, à EXAME.
"Tudo o que construímos até aqui foi muito intencional do ponto de vista de formação de time, de cultura e de pensamento de longo prazo. Isso se reflete, por exemplo, nas negociações com hospitais sempre no modelo de value-based health care. Não abrimos mão do que acreditamos ser o jeito certo de fazer, mesmo que leve mais tempo."
Os outros cofundadores são os empreendedores Guilherme Azevedo (um dos fundadores do Dr. Consulta) e Matheus Moraes, chefe de operações da heathtech.
Florence e Moraes estiveram na liderança do primeiro unicórnio brasileiro — como são chamadas as startups avaliadas em 1 bilhão de dólares —, a 99, como diretor financeiro e de operações, respectivamente.
Com crescimento de 30% ao mês, a Alice encerrará o ano com cerca de 7.000 pessoas na sua base de membros. Esse número é dez vezes o apresentado no início do ano, quando a empresa tinha 674 pacientes. Um em cada quatro membros não tinha nenhum plano de saúde, o que sinaliza que a startup tem oferecido acesso a uma parcela da população.
São planos individuais, que foram lançados em um momento em que operadoras tradicionais haviam deixado de lado esse mercado. Depois da entrada da Alice, outras empresas também colocaram produtos para esse público. "Mostramos que é um mercado que dá para existir e que vai fazer diferença em saúde pública no longo prazo."
Com os novos recursos, a startup vai acelerar os investimentos em tecnologia e dar início à sua operação voltada para clientes corporativos de pequeno e médio porte. Um passo inicial foi dado em novembro com a aquisição da startup Cuidas, especializada nesse segmento do mercado, estimado em mais de 5 milhões de pessoas só na cidade de São Paulo.
"Temos sido procurados por muitas empresas interessadas na nossa solução. É uma oportunidade de construir junto com elas o produto", contou o CEO da startup.
A captação, que teve demanda acima da oferta, acontece apenas dez meses depois da rodada Series B em que levantou 33,3 milhões de dólares — foi igualmente a maior para esse estágio de uma healthtech no país. Florence conta que o plano era realizar a rodada no primeiro semestre de 2022, mas que foi antecipada diante do interesse de investidores.
"Menos de um quarto dos brasileiros tem acesso à saúde privada. A Alice nasceu para mudar essa indústria gigante e como as pessoas lidam com sua saúde", afirmou Paulo Passoni, sócio-diretor de investimentos do SoftBank Latin America Fund. "Fomos atraídos pela equipe da Alice e sua visão de longo prazo", completou.
O modelo de value-based heath care é adotado de forma ampla nos Estados Unidos e tem base em pesquisas de Michael Porter, professor da Harvard Business School (HBS) e um dos maiores especialistas do mundo em gestão.
A tese é que o sistema de saúde deve considerar a qualidade do serviço prestado ao paciente e o resultado de melhora de saúde, de modo a melhorar a eficácia do uso dos recursos.
Isso significa que tanto a rede de parceiros como hospitais e clínicas como médicos especialistas são remunerados com base em indicadores que mostrem a evolução da saúde e do bem-estar do paciente, e não em número de procedimentos, por exemplo.
São indicadores como taxa de complicação, taxa de infecção da cirurgia, tempo da cirurgia e até a melhora do Índice de Massa Corporal, entre outros. Ou seja, o objetivo é fazer uso de incentivos que reflitam a melhora na saúde.
O modelo da Alice tem foco na atenção primária, como é chamado o contato inicial com o paciente. Um time de saúde formado por médico, enfermeiro, preparador físico e nutricionista responde pelo acompanhamento de cada membro da healthtech ao longo de sua jornada. Indicadores qualitativos atestam a eficácia do modelo. Atualmente, a taxa de satisfação dos usuários da startup com o time de saúde é de 4,96 em uma escala que vai de 0 a 5.
De todos os eventos de saúde registrados na healthtech (de consultas com especialistas e exames até procedimentos cirúrgicos), o equivalente a 98% é coordenado por esse time. Trata-de de um feito inédito no mercado.
Uma consequência esperada para o paciente da Alice é a redução de seus gastos com tratamentos e medicamentos, gerando uma economia e a melhora da saúde financeira no médio e longo prazos.
Em um ano, a healthtech também expandiu de maneira significativa sua rede de parceiros. Ela está vinculada a dez hospitais, dos quais três dos mais bem avaliados do país — Einstein, Oswaldo Cruz e Beneficência Portuguesa — e mais de 200 laboratórios de excelência na região metropolitana de São Paulo. Também conta com mais de 150 médicos especialistas que atendem apenas a Alice ou consultas particulares.
Para Florence, o aporte liderado pelo SoftBank tem um significado especial: ele era o diretor financeiro da 99 quando a startup de mobilidade recebeu o primeiro investimento do grupo japonês no país, de 100 milhões de dólares em 2017.
"Na época, eu disse que aquela rodada mostrava que o Brasil estava entrando no mapa dos investidores globais. E o forte interesse de fundos que tivemos na atual rodada mostra que há investidores que concordam com a nossa visão de que, daqui a dez anos, as maiores empresas de saúde não serão as mesmas de hoje", disse Florence.
O SoftBank veio a se tornar ao longo dos últimos anos um dos gigantes globais de venture capital que mais investem no país, com aportes em algumas das maiores startups, como QuintoAndar, Loft, Creditas, Gympass, Loggi e Unico, entre outras.
Se ele vai acertar a previsão pela segunda vez, só o tempo dirá. Mas a onda de investimentos e crescimento acelerado das healthtechs no país mostra que demanda existe.