SÃO PAULO – O Brasil tem mais de 500 startups de saúde. E a pandemia do novo coronavírus colocou os holofotes dos investidores sobre esses negócios. Segundo a empresa de inovação Distrito, as healthtechs representam a terceira categoria de startups que fez o maior número de rodadas entre janeiro de novembro de 2021. Foram 56 acordos de investimento, atrás apenas das 71 rodadas das startups de varejo e das 153 rodadas das conhecidas fintechs.
A Sami vai aumentar o placar das healthtechs até o final do ano. O plano de saúde digital focado em pequenas empresas anunciou nesta terça-feira (13) uma captação de R$ 110 milhões. A rodada ponte (bridge round) será usada para escalar a empresa, após o primeiro ano de funcionamento da operadora de saúde própria da Sami.
O Do Zero Ao Topo, marca de empreendedorismo do InfoMoney, conversou com o cofundador Vitor Asseituno sobre o modelo de negócios da healthtech e sobre os próximos passos. “Nosso primeiro ano de operação serviu para provar nosso modelo de negócio por meio do acompanhamento de métricas, como tíquete médio, satisfação, sinistralidade e taxa de reajuste. O momento agora é de escalar”, disse Asseituno.
A Sami foi criada pelos empreendedores de saúde Guilherme Berardo e Vitor Asseituno em 2018. O negócio está de olho em um grande mercado: a receita de contraprestações das operadoras somou cerca de R$ 179 bilhões nos nove primeiros meses de 2021, segundo a Agência Nacional de Saúde (ANS). O potencial de expansão ainda é grande. Mais de 64% dos brasileiros vivem em famílias em que nenhum dos membros tem plano de saúde, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Médico de formação, Asseituno trabalhou na aceleradora americana de startups Rock Health e conheceu benchmarks que levariam à criação da Sami. As operadoras de saúde digitais Bright Health e Oscar Health levantaram US$ 1,6 bilhão e US$ 1,5 bilhão com investidores, respectivamente. De volta ao Brasil, Asseituno criou primeiro a empresa de eventos na saúde Live Healthcare. A companhia foi vendida há dois anos para o grupo de eventos Informa.
Então, o empreendedor se uniu a Berardo para fundar a Sami. Berardo fez carreira no banco de investimentos Merrill Lynch. Depois, montou um hospital de transição (para pacientes com cuidados médicos complexos) junto do tio, que era médico. O empreendimento se tornou a rede Premium Care, com oito clínicas de longa permanência atualmente.
A Sami começou abordando outras operadoras de saúde, implementando telemedicina e usando análise de dados para filtrar os melhores médicos. O objetivo era reduzir a evolução dos casos, reduzindo a sinistralidade e os custos das operadoras. O mínimo produto viável (MVP) acumulou dados de 500 mil pessoas. Porém, muitas operadoras não tinham essa cultura de coletar informações com precisão. Então, a startup de saúde criou sua própria operadora de saúde no final de 2020.
O foco da Sami está em atender pequenos CNPJs, com uma até 200 pessoas. Sete a cada dez clientes são microempreendedores individuais (MEIs), com uma ou duas vidas.
A contratação é feita de forma completamente online. Cada usuário tem um médico responsável por acessar seu histórico, acompanhar sua saúde e orientar o agendamento de consultas com especialistas. Esses profissionais recebem feedbacks do usuário, assim como as estrelas do Uber.
O custo fica entre 20% até 30% mais barato em comparação com um plano de saúde corporativo tradicional, segundo Asseituno. A mensalidade média está em R$ 300. O cofundador também afirma que a taxa de sinistralidade da Sami fica entre 40% a 60%, ante uma média de 75% a 80% do mercado. A taxa de sinistralidade mostra quanto a operadora paga em comparação com sua receita.
O reajuste dos planos da Sami segue o Índice de Preços para o Consumidor Amplo (IPCA), e não o reajuste tradicional das operadoras de saúde. A ideia é que as pequenas empresas não precisem renegociar e trocar de plano frequentemente por conta de grandes reajustes. Em maio de 2021, a Sami aplicou um reajuste anual de 6,2%. A startup afirma que essa taxa foi quase 40% menor que a média de reajuste dos planos comerciais destinados a pequenas e médias empresas no Brasil, de 9,95%.
A Sami continua praticando a tradicional remuneração por serviço em procedimentos como exames laboratoriais. Mas criou outros modelos de monetização no caso de consultas médicas e procedimentos cirúrgicos, para evitar ocupação desnecessária de leitos hospitalares. “O fee for service faz sentido para laboratórios, porque eles apenas executam os exames. O problema é quando esse modelo é aplicado por quem ganha com base na demanda, como um hospital. É como se você deixasse o dono do restaurante escolher qual prato você vai pedir”, disse Asseituno.
Além das discussões sobre monetização, os médicos e instituições de saúde deverão concordar em coletar dados precisos sobre seus pacientes. As informações são fundamentais para a Sami continuar aprimorando sua análise de performance – a startup afirma que está de acordo com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). A healthtech já tem parcerias com 20 instituições de saúde, como os hospitais Beneficência Portuguesa de São Paulo e Oswaldo Cruz.
A Sami atende a cidade de São Paulo e regiões próximas, como ABC, Guarulhos, Osasco e Taboão da Serra. A startup coordena o atendimento de 7 mil vidas atualmente. O crescimento anual foi de 70 vezes: eram apenas 100 vidas no começo de 2021.
Asseituno e Berardo receberam o primeiro investimento externo para a Sami em março de 2019. Os fundos Canary e Redpoint eventures aportaram US$ 1,3 milhão na startup de saúde, acompanhados de anjos como Paulo Veras (99), Sérgio Ricardo dos Santos (Amil) e Alan Warren (Oscar Health). Depois, receberam um aporte de R$ 86 milhões em outubro de 2020. O série A foi liderado pelos fundos Valor Capital Group e Monashees.
A Sami considera que a rodada de R$ 110 milhões é uma ponte entre esse série A e um futuro série B, que está planejado para o próximo ano. O aporte atual foi liderado pelo DN Capital, fundo inglês que investiu em negócios como RecargaPay e OLX. Participaram antigos investidores da Sami, como Monashees, Redpoint eventures, Valor Capital Group, Two Culture Capital e Ricardo Marino (Itaú). Novos investidores são os fundos Endeavor Scale-Up, Lakewood Capital e The Fund, além do investidor anjo Kevin Efrusy (Accel).
“Os dois últimos anos mostraram como o setor de saúde no Brasil está carente de soluções capazes de otimizar processos, melhorar o atendimento aos usuários e aproximá-los dos profissionais da área. A Sami tem conquistado ótimos resultados e mostrado eficiência e um crescimento sustentável”, afirmou em comunicado Michael Nicklas, sócio do Valor Capital Group.
A Sami usará os novos recursos para crescimento, tecnologia e contratações. O objetivo é crescer entre três e quatro vezes no próximo ano, atendendo de 21 mil a 28 mil vidas. Em tecnologia, a Sami está investindo em frentes como aplicativo, chatbot, análise de dados clínicos dos usuários e automação de processos. Por fim, a startup espera ir dos atuais 400 funcionários para 800 a 1.000 até o final de 2022. A depender da quantidade de brasileiros sem um plano de saúde, a Sami ainda tem muitas vidas para administrar.