Um ano atrás, uma avó chamada Margaret Keenan, então com 90 anos, arregaçou as mangas no University Hospital Coventry, na região central da Inglaterra, para ocupar seu lugar na história.
Keenan se tornou a primeira pessoa do mundo a receber a vacina da Pfizer / BioNTech contra a covid-19 fora de um teste clínico. Foi um ponto de inflexão na pandemia, aumentando as esperanças de que havia um caminho para sair da crise, juntamente com dúvidas sobre o desempenho de vacinas.
Agora, após 8 bilhões de doses, o impacto está claro. As vacinas - e não só a da Pfizer/BioNTech, como também as da Moderna, Oxford/AstraZeneca, Johnson & Johnson e outras - reduziram as hospitalizações e mortes nos países onde foram amplamente aplicadas. Pesquisas mostram que somente na Europa elas salvaram cerca de meio milhão de pessoas com 60 anos ou mais.
Mas elas não venceram o vírus. Os casos quadruplicaram no último ano, grande parte do globo ainda não teve acesso às vacinas e variantes preocupantes continuam surgindo, trazendo novas ondas de contágios, a volta de lockdowns e de restrições a viagens.
Hoje, dois anos após o começo da pandemia, temos a ômicron, uma variante com grande mutação que surgiu semanas atrás. A nova cepa deixou o mundo na expectativa desesperada por informações sobre sua gravidade e como as vacinas se sairão contra ela.
“As vacinas são um grande milagre da ciência moderna”, diz Sarah Pitt, virologista da Universidade de Brighton, na Inglaterra. Mas alguns governos “acreditaram que iam vacinar e sair da pandemia. A ideia era vacinar todo mundo e tudo ficaria bem. Claro, isso não funciona assim”.
A primeira dose da Pfizer/BioNTech foi aplicada nos EUA uma semana depois, em 14 de dezembro de 2020. A China começou a aplicar suas próprias vacinas no terceiro trimestre de 2020, sob uma autorização emergencial para uso.
Desde a vacinação de Keenan, países desenvolvidos imunizaram a maioria de sua população.
Mas a vacinação no último ano não foi tranquila, em parte devido a problemas de fornecimento e efeitos colaterais muito raros, mas potencialmente graves, que alimentaram a hesitação em algumas partes do mundo. Cientistas também temem que as disparidades na vacinação gerem cepas mais perigosas que representem um risco para todas as nações.
As vacinas contra a covid-19, desenvolvidas em tempo recorde, são conquistas notáveis. Mesmo assim elas não são 100% eficazes e algumas pessoas que estão protegidas ainda podem ser infectadas e transmitir a doença para outros.
Esses casos parecem ser mais frequentes com o surgimento da variante delta e a diminuição da imunidade de pessoas vacinadas meses atrás. Na Europa, o último surto de infecções forçou um novo lockdown na Áustria, enquanto a Alemanha pode estar prestes a tornar as vacinas obrigatórias.
Os cientistas agora correm para atualizar as vacinas para que elas também combatam a ômicron se necessário, e alguns planejam atingir múltiplas variantes com apenas uma vacina. As mutações da ômicron sugerem que é provável que ela escape da proteção das vacinas pelo menos até certo ponto, mas há também evidências muito preliminares de que ela não causa uma doença mais grave do que as versões anteriores do vírus.
Com estudos mostrando que a eficácia da vacina diminui com o tempo, governos estão acelerando as campanhas de vacinação. Pílulas da Merck e da Pfizer estão a caminho, contribuindo para o arsenal contra o vírus.
Como as vacinas não são uma bala de prata, alguns especialistas em saúde afirmam que em vez de contar tanto com elas, os governos deveriam ter mantido por mais tempo outras medidas sanitárias, como as máscaras e as testagens.
“Temos sorte de ter as vacinas”, diz David Heymann, professor da London School of Hygiene and Tropical Medicine e ex-funcionário da Organização Mundial da Saúde (OMS). “No Reino Unido e muitos países com altas taxas de vacinação, as autoridades de saúde pública acreditam - e acho que provavelmente elas estão certas - que conseguiram desvincular a doença grave da infecção por causa das vacinas. Mas não estão conseguindo evitar as infecções com esta geração de vacinas.”
A desigualdade também tem sido um problema para vacinar as populações. Em vez de uma distribuição uniforme das vacinas, os países ricos dispararam na frente, criando uma lacuna no acesso. Especialistas em saúde vêm pressionando pelo aumento das remessas, da transferência de tecnologia e da capacidade de produção.
Bruce Aylward, conselheiro sênior do diretor-geral da OMS, diz que os países mais ricos deveriam se concentrar em ajudar as nações de baixa renda que estão lutando com uma “mistura tóxica” de níveis baixos de vacinação, testagem insuficiente, sistemas de saúde frágeis e outros fatores. Caso contrário, o vírus continuará a ter lugares para se estabelecer e se adaptar.
“Você estará brincando com fogo” se não continuar pressionando o vírus em todas as partes do mundo, afirma ele. “Esse vírus sofrerá mutações e se qualquer uma dessas delas for favorável à transmissão, elas se tornarão dominantes e teremos problemas em potencial.”
Mas os países mais ricos podem estar ainda mais inclinados a acumular doses agora, com o aumento de casos na Europa e outros lugares e a nova ameaça da ômicron.
Nos EUA, a variante está despertando preocupações sobre a capacidade de sistemas de saúde já sobrecarregados. Quase quatro em cada cinco leitos de terapia intensiva em todo o país estão no momento ocupados, com os pacientes de covid-19 respondendo por uma parcela significativa dessa ocupação.
A China, cujas vacinas são menos eficazes que as de RNA mensageiro (mRNA) usadas no Ocidente, registrou a marca surpreendente de 1 bilhão de pessoas totalmente vacinadas em setembro. Mas apesar da alta cobertura, suas fronteiras continuam hermeticamente fechadas e Pequim continua enfrentando os surtos com o mesmo manual pré-vacina de lockdowns e testagem em massa.
O Reino Unido, o primeiro país do Ocidente a aprovar e usar as vacinas contra covid, hoje registra mais de 50 mil casos por dia, aproximando-se do pico de 2021.
“A boa notícia é que as vacinas tiveram um desempenho superior ao que esperávamos”, afirma Michael Kinch, especialista em vacinas da Washington University de St. Louis. Mas “precisamos estar um passo à frente do vírus, e aí poderemos relaxar”. A preocupação é que a ômicron torne isso mais difícil e a eficácia das vacinas diminua gradualmente com o tempo e as novas variantes. “Gostemos ou não, isso veio para ficar”, diz ele.