COP26: os desafios dos países para transformar promessas em ações
22/11/2021
O holandês Frans Timmermans, primeiro vice-presidente da Comissão Europeia, conversava com alguns jornalistas quando foi surpreendido pelo ministro do Meio Ambiente brasileiro, Joaquim Leite, no último dia da 26a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP26, realizada entre os dias 1o e 12 de novembro em Glasgow, na Escócia. “Hei!”, exclamou ­Timmermans, responsável pelos planos ambientais da União Europeia. “Parabéns!”, disse o ministro brasileiro. Antes de colocar a máscara, levou a mão para trás e, num movimento amplo como se estivesse dando um abraço, esticou a mão num cumprimento afetuoso. “Obrigado”, disse Leite, abaixando a cabeça em sinal de respeito. Um tapinha nas costas de ambos selou o encontro.

Momentos antes, Leite e Timmermans assinaram um acordo histórico contra o aquecimento global. As autoridades presentes em Glasgow concordaram em criar um mercado global do carbono, um dos principais vilões do aquecimento global. O assunto está no artigo 6o do Acordo de Paris, de 2015, o primeiro pacto global para limitar as emissões desse tipo de gás, mas que demorou seis anos até ser acordado por todos os países com delegações nas COPs. As consequências desse acordo deverão ser amplas. A existência de uma bolsa mundial para compra e venda de títulos atrelados às emissões de carbono precifica uma substância com valor pouco mensurado até agora. 

No longo prazo, o mercado global deve incentivar países poluidores a transferir recursos para países com florestas e tecnologias capazes de compensar a poluição alheia — e servir de pauta para a próxima COP, esperada para novembro de 2022 no balneário egípcio de Sharm el-Sheikh. O acordo assinado em Glasgow cria um mecanismo financeiro global aos moldes do já existente em algumas regiões do planeta, como a União Europeia, a China e o estado americano da Califórnia.

O alcance mundial do mercado de carbono e as metas cada vez mais ambiciosas contra o aquecimento global têm tudo para forçar uma valorização crescente desses títulos. Na prática, o sistema deve trazer uma avalanche de investimentos em alternativas aos combustíveis fósseis emissores de carbono, como carvão e petróleo. As minúcias desse mercado deverão ficar para a COP do ano que vem. Restam dúvidas sobre pontos fundamentais, como os padrões de transparência a ser respeitados por todas as partes envolvidas nesse tipo de negociação. “Daqui para a frente, o debate será sobre implementação e resultado”, diz Carlo Pereira, diretor executivo da Rede Brasil do Pacto Global, entidade ligada à ONU para reunir o setor empresarial na pauta climática. 

 

A ativista ambiental sueca Greta Thunberg: pressão por resultados concretos após as promessas da COP. A regulamentação do mercado de carbono animou lideranças do setor privado brasileiro presentes em Glasgow. “A regulamentação do mercado de carbono é uma das decisões positivas da COP26 e o Brasil só tem a ganhar, pois será um grande exportador de crédito de carbono”, diz Cristiano Teixeira, presidente da fabricante de papel e celulose Klabin. Para Walter Schalka, presidente da Suzano, outro gigante de papel e celulose, a implementação de um mercado de carbono destrava investimentos. “Essa decisão foi construída a partir da busca de um consenso, entre empresas, governos e sociedade civil, de que era preciso superar impasses presentes em oportunidades passadas para olhar para o futuro”, diz. 

A julgar pela maneira como as empresas brasileiras lidam com esse tema, o futuro da agenda climática segue ainda muito incerto. A realidade dos temas ESG segue distante do dia a dia das grandes companhias. Apenas 62% das empresas de grande porte com atuação no Brasil dizem sofrer pressões do mercado para adotar práticas verdes; 22% delas não sentem pressão alguma.
 

Os dados fazem parte de uma pesquisa exclusiva da consultoria Betania Tanure Associados (BTA), a pedido da EXAME.­ Entre os dias 8 e 10 de novembro, reta final da COP em Glasgow, foram ouvidas 280 das 500 maiores companhias brasileiras. “Em se tratando desse universo, é pouco quando apenas seis a cada dez companhias dizem que o mercado as pressiona por práticas ESG”, diz Betania Tanure, uma das consultoras em gestão empresarial mais influentes do país. “Essa percepção deveria ser de quase 100% do total, considerando o tamanho e o impacto dessas companhias.” 



 

O desdém de parte relevante do empresariado brasileiro com a agenda ESG está longe de significar um vazio de ação. Entre as pesquisadas, 83% dizem ter práticas para compensar a poluição de suas atividades. Sete em dez empresas pesquisadas abastecem a produção com energias limpas, como solar e eólica. Tudo isso serve para melhorar a imagem da empresa (88% dos líderes entrevistados concordam com a afirmação) e os resultados financeiros (ponto citado por 72% deles).

E, por falar em reputação, a da política ambiental do governo brasileiro anda bem ruim na iniciativa privada. Entre as lideranças entrevistadas, 74% duvidam de ações concretas contra o desmatamento no país nos próximos cinco anos. Seis entre dez não acreditam na seriedade das políticas públicas brasileiras contra mudanças climáticas. No longo prazo, só metade aposta no sucesso do Brasil em neutralizar as emissões de carbono até 2050, como prometido pelo ministro Leite em Glasgow. 

A COP26 trouxe ao Brasil a volta de um protagonismo climático perdido no início do governo Jair Bolsonaro. No encontro anterior, em 2019, em Madri, a delegação chefiada por Ricardo Salles, então ministro do Meio Ambiente, foi considerada uma das mais intransigentes entre os países presentes. Num momento de desmatamento em alta na Amazônia, Salles usou o desastre ambiental para exigir mais dinheiro de países ricos para reverter a tendência. Coube ao Brasil a imagem de vilão global da COP de Madri. Em Glasgow, a atitude foi diferente.
 

O ministro Leite adotou a postura de interlocutor entre países pobres e ricos. Um mês antes da COP, Leite esteve com embaixadores de 60 países. No primeiro dia em Glasgow, o ministro anunciou a revisão do prazo final para o país atingir a neutralidade de carbono, de 2060 para 2050, recolocando a meta brasileira de redução de emissões no mesmo patamar do combinado no Acordo de Paris, quando o Brasil foi um dos países mais ambiciosos a sentar à mesa de negociações. Mesmo sem grandes ambições, e disposto a recuperar a reputação perdida, o gesto do Brasil na COP de Glasgow foi suficiente para reabrir o diálogo. 

Fonte: Exame




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