As diferentes fases de evolução da pandemia da covid-19 têm feito o setor viver uma espécie de gangorra. Se em 2020 o resultado foi positivo para operadoras e seguradoras, devido ao cancelamento de cirurgias e outros procedimentos eletivos, o ano de 2021 não começou bem e mostra perdas significativas nos balanços das companhias abertas que atuam no setor referentes ao segundo trimestre. Algumas, como a SulAmérica Saúde, viram o lucro diminuir 92% no período. Outras, como a NotreDame e a Porto Seguro, saíram do lucro para o prejuízo. Com a expectativa de reverter esse quadro até o fim do ano, as companhias seguem uma estratégia que inclui lançamento de produtos mais acessíveis, negociações com clientes, expansão de capacidade orgânica ou por meio de aquisições e inovações tecnológicas, com destaque para serviços digitais.
A boa notícia é que, entre junho de 2020 e o mesmo mês de 2021, houve ganho de 1,5 milhão de novos beneficiários, segundo dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), movimento só visto em 2016. O primeiro semestre deste ano encerrou com 48,2 milhões de pessoas dispondo de plano ou seguro-saúde, mais de 80% em modalidades coletivas. A Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) estima um crescimento de 2,5% para o ano todo de 2021, com o número de beneficiários atingindo 48,8 milhões. Em 2020, foram contabilizados 47,6 milhões de usuários, de acordo com a ANS.
Os números consolidados do ranking Valor 1000, referentes a 2020, mostram que o setor somou R$ 153 bilhões em contraprestações efetivas/prêmios ganhos no ano passado, 6,8% acima do anotado em 2019. O avanço foi menor que em 2019 (11,2%), mas o resultado líquido de R$ 9,6 bilhões deu um salto: a variação foi de 37,4% em 2020, ante 6,1% na comparação com 2019/18. A rentabilidade do patrimônio líquido e a margem operacional deixaram de ser negativas e cresceram de 12,3% para 14,65% e de 4,5% para 7,7%, respectivamente.
A Bradesco Saúde se manteve como a maior do setor, somando R$ 27,3 bilhões em receita, com variação positiva de 0,4% sobre 2019. A seguradora manteve também a primeira posição em lucro líquido, totalizando R$ 1.192 milhões. Em 2021, a empresa, que tem 96,7% da carteira em planos coletivos, segue com bons resultados. E anunciou a criação de uma empresa de investimentos em hospitais, batizada de Atlântica, que já neste ano deve concluir três projetos que podem chegar a R$ 600 milhões.
Junto com a MediService, controlada pelo grupo Bradesco Seguros, registrou faturamento de cerca de R$ 13,94 bilhões no primeiro semestre, uma alta de 7,09% em relação ao mesmo período do ano passado. Com alta de 8,3% no número de beneficiários, o segmento de pequenas e médias empresas ajudou a puxar o resultado no primeiro semestre de 2021. Bradesco Saúde e Mediservice somaram 3,7 milhões de usuários, com ambas tendo crescimento de 2,39% em número de beneficiários no período.
“As empresas desse segmento buscam maior previsibilidade dos custos, redução de desperdícios e a expectativa de reajustes menores”, destaca Manoel Peres, diretor-presidente da Bradesco Saúde e da Mediservice. Negociações caso a caso e novos serviços digitais também vêm ajudando a manter e ganhar clientela. Também estão previstos R$ 60 milhões neste ano para a expansão da rede de clínicas “Meu Doutor Novamed”, de Atenção Primária à Saúde (APS).
De acordo com Peres, as consequências da covid-19 podem significar mudanças na demanda para a prestação de serviços continuados nos próximos meses e anos. Mas a tendência, acredita o executivo, é que o ritmo crescente das despesas assistenciais da seguradora caia com o avanço da vacinação na segunda metade do ano. A maior imunização deve também acelerar a recuperação das atividades econômicas, melhorando indicadores de emprego e renda, fundamentais para a evolução do setor.
O “efeito gangorra” está bem claro nos números da SulAmérica Saúde, segunda colocada entre as maiores do ranking. Em 2019 ela não aparecia entre as 20 maiores em lucro líquido. Já em 2020, alcançou a segunda posição, com R$ 994,2 milhões. Apesar da queda de 92,6% do resultado líquido do segundo trimestre deste ano, comparado ao mesmo período do ano passado, a companhia permanece no azul, com R$ 29,6 milhões na última linha do balanço. A receita líquida cresceu 7,5% no período. A SulAmérica fechou o primeiro semestre de 2021 com 4,3 milhões de clientes em saúde e odonto. Isso representa um crescimento de 12,8% em relação ao mesmo período do ano passado, puxado por planos dentários e pelos coletivos.
Com produtos mais em conta e uma área de pós-venda que oferece alternativas de acordo com o perfil do cliente, a seguradora pretende levar o plano regional e mais acessível para novas cidades neste ano. Desde dezembro até junho passado, ele já cresceu mais de 166% em número de beneficiários. A vice-presidente de saúde e odonto da seguradora, Raquel Giglio, diz que o interesse da empresa também está voltado para oportunidades de aquisições e ampliação da presença no Sul do país. Em março passado, a empresa assinou contrato com a Santa Casa de Misericórdia de Ponta Grossa (PR) para assumir sua carteira de clientes, agregando 25 mil vidas à base de beneficiários da Paraná Clínicas, adquirida no ano passado. “A expectativa é de que, à medida que a vacinação avance, tenhamos também um melhor cenário de custos em relação à pandemia.”
A redução de sinistralidade com recuo de procedimentos eletivos e menor utilização de serviços médicos e hospitalares do início do contágio de covid-19 ficou no passado. Esse movimento reduziu, num primeiro momento, as despesas das operadoras, servindo de base para a determinação da ANS de dar desconto de 8,19% nas mensalidades dos planos individuais, cujo reajuste é regulado por ela.
“As despesas já voltaram aos altos níveis anteriores à pandemia”, ressalta Vera Valente, diretora-executiva da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), ao apontar a pressão dos custos como um dos maiores desafios para este ano. Novos casos de covid-19, ampliação dos procedimentos eletivos e as sequelas de quem teve a doença - ainda difícil de mensurar –, aliados à alta dos insumos e de matérias-primas, tendem a elevar as despesas assistenciais nos próximos meses.
Por isso, a FenaSaúde apoia alterações nas regras setoriais, como, por exemplo, no segmento de planos individuais. “O modelo atual inibe as operadoras de atuarem com mais intensidade nesse grupo”, destaca Vera. Ela reforça a necessidade de ampliar as coberturas que podem ser oferecidas – atualmente são cinco opções -, para que haja modulação de produtos.
O presidente da Abramge, Renato Casarotti, também vê para 2022 reajustes “fortemente” impactados pela segunda onda da pandemia, somada ao retorno da demanda reprimida de procedimentos eletivos, à elevação dos preços de insumos e ao aumento de tributação, que ampliaram as despesas setoriais.
Na Amil, que caiu da segunda para a terceira posição do ranking das maiores, o primeiro semestre de 2021 teve aumento de 227 mil beneficiários em relação ao mesmo período de 2020. A operadora fechou a primeira metade do ano registrando 5,6 milhões de usuários, entre planos médicos e odontológicos, a grande maioria coletivos. “O mercado de planos de saúde é diretamente impactado por indicadores econômicos e níveis de emprego. E os números têm apontado de forma otimista para a recuperação”, avalia Edvaldo Vieira, CEO da Amil.
Os lançamentos mensais de produtos regionais, a partir do segundo semestre de 2020, vêm permitindo que o faturamento da Amil seja mantido. Mas nem tudo são flores. “Vemos uma pressão no custo médico”, diz Vieira. Isso ocorre, observa ele, pela soma das internações por covid-19, mais caras e mais demoradas, pelo retorno das cirurgias eletivas e ainda por pacientes que estão dando entrada nos hospitais em situações de maior gravidade. Para o CEO da Amil, com o avanço da vacinação, os números de internações por covid-19 cairão e, com isso, a rede própria permitirá dar eficiência na gestão para enfrentar o aumento da demanda em atendimentos e procedimentos represados.
O Grupo NotreDame Intermédica (GNDI), manteve-se na quarta colocação do ranking do setor, com receita de R$ 10,2 bilhões, registrando crescimento de 30,6%, o terceiro maior entre as ranqueadas. Fechou o primeiro semestre de 2021 com sete milhões de beneficiários entre planos de saúde e dental ante 6,16 milhões no mesmo período do ano passado. A receita líquida subiu 18,1% sobre o primeiro semestre de 2020, atingindo R$ 6,1 bilhões, de acordo com o balanço. O prejuízo de quase R$ 80 milhões no período não altera os planos de expansão geográfica. “Esse investimento é fundamental para a oferta de planos regionalizados e adequados às necessidades dos clientes”, diz Irlau Machado Filho, presidente do GNDI.
A fusão com a Hapvida não desacelerou o ímpeto do GNDI por novos ativos. Nos primeiros seis meses de 2021, investiu quase R$ 2 bilhões em aquisições e aumento da rede própria em São Paulo, Paraná, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Para enfrentar o cenário de alta, o GNDI aumentou a verticalização nas UTIs e nas internações regulares, diminuindo o impacto financeiro das contas mais altas da rede credenciada. “Nosso reajuste médio é dos menores do mercado, o que prova que gerenciamos bem a sinistralidade”, destaca Machado.
Fora do eixo Rio-São Paulo, a Unimed-BH, que atua em outros 33 municípios da região metropolitana de Belo Horizonte, com rede própria, lançou serviços digitais como consultas, pronto-atendimento e monitoramento on-line. Um novo plano, o Bem Digital, começou a ser comercializado em janeiro de 2021. No aplicativo, o cliente tem acesso a uma clínica on-line 24 horas. Samuel Flam, diretor-presidente, destaca os esforços para renegociações de contratos, ampliação de canais de relacionamento com os clientes e foco nos principais parceiros de negócio. “Até o fim do ano, conseguiremos manter a tendência de crescimento sustentado em nossa carteira”, avalia Flam.