O segmento da saúde nos oferece um perfeito exemplo do poder transformacional exercido pela tecnologia da informação, afinal de contas, em poucos anos, a medicina evoluiu em grande escala no que se refere ao atendimento e às práticas médicas. No entanto, foi exatamente essa propensão para inovações voltadas ao paciente que limitou outras soluções, especialmente ligadas ao gerenciamento hospitalar e à gestão da saúde como um todo.
De um modo geral, há uma grande preocupação em investir em novas terapias e equipamentos que auxiliem no cuidado ao paciente, mas no que diz respeito à gestão da saúde, ainda há escassez de investimentos no Brasil. Como qualquer barreira, este déficit desencadeia diversos entraves para o setor. Ou seja, além de dificultar a vida dos profissionais que atuam na gestão das instituições de saúde, que ou precisam realizar grande parte do trabalho manualmente ou adaptar sistemas desenvolvidos para outras indústrias, também resulta em ineficiência e desperdício, que prejudicam não apenas o paciente, mas todo o ecossistema.
Áreas importantes da retaguarda dessas instituições, como compras e suprimentos, por exemplo, estão desassistidas no país em termos de tecnologia, o que acaba intensificando a possibilidade de fraudes, entre outros problemas. Estima-se que os prejuízos com fraudes em compras na área de saúde sejam superiores a R$ 14 bilhões ao ano, de acordo com levantamento realizado pelo Instituto Ética Saúde.
As dificuldades encontradas para o desenvolvimento da gestão da saúde, no entanto, não são exclusivamente causadas por este tipo de problema. Outros agentes exercem papel tão prejudicial quanto, como é o caso da falta de controle e desperdício de recursos, bem como a organização do trabalho ainda de forma manual, uma vez que as pessoas gastam em média 61% do tempo de trabalho apenas organizando as informações desconectadas e, a partir daí, sim, iniciar o que pretendem.
Com relação ao desperdício, de acordo com estimativa da presidente da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), Solange Beatriz, cerca de 30% dos gastos em saúde privada, no Brasil, é considerado desperdício. Assim como as fraudes, este número elevado vem, muitas vezes, da falta de controle de processos decorrente da escassez de um sistema especializado dentro das instituições.
Principais obstáculos para o desenvolvimento tecnológico da gestão da saúde
Em um contexto geral, os principais sistemas do mercado de saúde tendem a ser de 3 a 5 vezes mais caros do que sistemas generalistas voltados para as PMEs do Brasil, o que os torna acessíveis a menos de 10% dos pontos de atendimento de saúde do país. Com uma penetração tão baixa de sistemas capazes de processar dados de maneira precisa e com baixa especialização de informações, não se pode ter clareza dos dados deste mercado e nem de onde estão as ineficiências em áreas importantes, como a cadeia de suprimentos e a densidade de recursos. Trata-se de um ciclo vicioso que só pode ser quebrado com a adoção de mais tecnologia.
E não estamos falando de um segmento menor. Estima-se que o mercado de pequenas e médias instituições de saúde no país seja representado por milhares de laboratórios, empresas de home care e pequenos hospitais. O estado de São Paulo, por exemplo, com seus 46,6 milhões de habitantes, representa aproximadamente 22% da população total do Brasil, e é o maior mercado de saúde do país. De acordo com dados do Ministério da Saúde, São Paulo possui quase 77 mil estabelecimentos de saúde, o que significa 21,8% de todo o território nacional.
A democratização da tecnologia começa com esta mudança de paradigma. É preciso que a gestão da saúde seja repensada, para que a realidade única deste setor possa ser refletida em processos e sistemas aderentes à necessidade das instituições de todos os portes e tamanhos, assim como dos pacientes, por meio de tecnologias acessíveis e mais próximas das pessoas.
Para exemplificar a importância deste processo de digitalização, cito dois exemplos. Preservando os nomes das instituições por sigilo. No interior do estado de São Paulo, uma Santa Casa modernizou seu departamento de compras com o objetivo de agilizar os processos e garantir maior praticidade na gestão, além de possibilitar maior visibilidade dos produtos em estoque. Como resultado, conseguiu reduzir em 98% o envio de e-mails para os fornecedores e houve um aumento de 50% em eficiência no processo de compras, desde a cotação até o fechamento do pedido. Já uma rede de laboratórios de São Paulo possuía um processo de gerenciamento de estoque antigo, realizado por meio de planilhas, gerando atrasos na atualização das informações e aumentando a chance de erros. Com uma solução que otimiza processos de gestão de estoque e compras, a instituição ganhou uma visão em tempo real, o que facilitou a comunicação entre os departamentos.
Estes resultados nos fazem refletir sobre a importância de se garantir o controle de todo o processo, a partir da tecnologia e de melhores práticas de gestão, possibilitando que todos os agentes da cadeia de valor consigam eliminar, de uma vez por todas, trabalhos manuais desestruturados e opacos que interferem negativamente no processo de gestão da saúde.
*André Iaconelli é Cofundador da Zaga, healthtech de gestão de compras e suprimentos na área da saúde.