O manejo do acidente vascular cerebral (AVC) no Brasil envolve desafios que começam na demora do reconhecimento precoce dos seus sinais e sintomas e atraso no encaminhamento para atendimento médico. O acesso a tratamentos de ponta no SUS e mesmo em muitos segmentos da rede privada é escasso, e podem ocorrer falhas na condução da reabilitação. No período pós-AVC, além das medidas de prevenção de recorrência de um novo AVC, uma série de terapias no contexto de atendimento multidisciplinar contribuem para a saúde, qualidade de vida e reinserção do paciente na sociedade.
Cerca de 30% dos pacientes podem desenvolver espasticidade, que é um tipo de rigidez muscular que leva à postura inadequada dos membros (mãos fechadas, pés em garra), causa dor, dificuldade para executar atividades corriqueiras (como caminhar, comer, por exemplo), e consequentemente reduz a qualidade de vida, aumenta a sobrecarga do cuidador, com possibilidade de quedas, fraturas, além de impactos econômicos e financeiros.
Diante da falta de dados no país sobre a jornada do paciente no pós-AVC, uma equipe médica brasileira, da qual fez parte o médico fisiatra Marcelo Riberto, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, no interior de São Paulo, publicou recentemente um estudo multicêntrico e observacional envolvendo 11 centros de reabilitação do país (públicos e privados), com 204 voluntários, chamado de BCcause cujo objetivo primário foi avaliar a taxa de resposta dos pacientes com espasticidade crônica ao tratamento com toxina botulínica A (TBA).
Um dado alarmante do estudo mostrou que aproximadamente 45% dos pacientes recebem o encaminhamento para a reabilitação tardiamente após o AVC, e o tempo mediano de espera para o agendamento de uma consulta é de nove meses. Isso acontece por uma série de fatores, como a distância e a dificuldade de transporte até o centro de reabilitação, o tempo despendido para chegar ao centro de reabilitação e problemas para agendar a consulta, entre outras questões.
Segundo Riberto, muitos pacientes, familiares e profissionais de saúde desconhecem ou subestimam os efeitos da reabilitação no pós-AVC. Por vezes, o encaminhamento para a reabilitação não acontece porque os profissionais que atendem o paciente na hora do AVC agudo não sabem da existência e possibilidades de encaminhamento para os Centros de Reabilitação, tanto na rede privada como na rede pública.
É fato que existe desequilíbrio entre o número de pacientes que necessitam de reabilitação no país e a quantidade de centros de reabilitação, seja no setor público ou privado. Neste contexto, a atual realidade do Brasil não favorece a reabilitação precoce, mas mesmo assim, vemos que a reabilitação tardia traz muitos benefícios para os pacientes.
Além da dificuldade de acesso aos centros de reabilitação, os tratamentos também variam de acordo com a gravidade das sequelas, mas, em geral, a reabilitação consiste em sessões de fisioterapia, de fonoaudiologia, terapia ocupacional e tratamento medicamentoso, exemplo os medicamentos orais (baclofeno, tizanidina, dantrolene, gabapentina e pregabalina) e a aplicação de toxina botulínica A. O estudo BCause também indicou as vantagens da TBA no controle da espasticidade crônica com apenas uma aplicação. Embora disponível no SUS, a toxina botulínica é sub recomendada, em torno de 9 mil pacientes receberam aplicação de TBA para espasticidade pós-AVC no SUS em 2020,3 o que representa apenas 1% da população que sofre o AVC e pode desenvolver a espasticidade. Estima-se que há 1 milhão de pacientes com espasticidade pós-AVC no Brasil.
Segundo Riberto, o uso da TBA, quando aplicada nos músculos espásticos e de acordo com a bula, ajuda a prevenir o encurtamento muscular e a dor, evitando que o paciente aprenda os movimentos errados e oferecendo mais liberdade para eles. O tratamento com toxina botulínica pode ser uma solução para melhorar a qualidade de vida de diversos pacientes, para assim conseguirem retomar sua independência em atividades rotineiras, como tomar banho, vestir-se ou calçar os sapatos