SÃO PAULO – O mercado de planos de saúde empresariais é gigante: mais de 32 milhões de brasileiros dependem do seu emprego para ter um plano, segundo os dados mais recentes da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Para startups que atuam nesse segmento, porém, a proposta para as empresas e seus funcionários ainda deixa a desejar.
Existem startups que lutam contra os planos de saúde tradicionais e criam suas próprias operadoras. Já a Pipo Saúde decidiu adotar a conciliação. A startup atua na intermediação entre empresas e operadoras, usando análise de dados para chegar na proposta de plano de saúde com melhor custo-benefício. Em troca, ganha uma comissão da operadora escolhida.
A ideia acabou de atrair um investimento de peso. A Pipo Saúde anunciou nesta quarta-feira (28) a captação de um aporte de R$ 100 milhões. O Do Zero Ao Topo, marca de empreendedorismo do InfoMoney, conversou com a cofundadora Manoela Mitchell sobre a proposta da startup e sobre sua mais nova injeção de capital.
Antes de cofundar a Pipo Saúde, Manoela trabalhou sete anos na indústria de private equity. “Sempre fui especializada no setor de saúde e mediei investimentos globais em hospitais, planos de saúde e softwares para o setor. Comecei a me questionar sobre como os planos eram tão importantes e caros, e mesmo assim prestavam um atendimento considerado ruim. Queria ver no país a transformação na saúde que já acontecia lá fora”, diz Manoela. Ela largou o emprego em 2018 e se juntou aos colegas Thiago Torres e Vinicius Correa. Torres também trabalhou com private equity, enquanto Correa foi gerente de tecnologia na fintech Nubank.
Após um ano de desenvolvimento da ideia, a Pipo Saúde começou a funcionar em julho de 2019. As primeiras vendas foram fechadas apenas em 2020. A healthtech é uma corretora de benefícios de saúde para empresas que usa tecnologia como diferencial. “Encontramos os produtos certos para nossos clientes por meio de um algoritmo próprio, que analisa dados das empresas para encontrar a melhor oferta por orçamento, localização e objetivo de saúde”, explica Manoela.
A Pipo Saúde trabalha com diversas operadoras de saúde – das tradicionais até healthtechs que propõem uma versão mais tecnológica dos planos de saúde, como Alice e Sami. A proposta final pode ser a contratação de diferentes planos de saúde em cada estado que a empresa atue, por exemplo. Pode também ser a combinação entre um plano de saúde e serviços suplementares, como aplicativos de atendimento psicológico online. Segundo Manoela, algumas empresas chegaram a uma redução de 50% nos custos por meio da Pipo Saúde.
Além de enviar a melhor proposta, a Pipo Saúde também faz a gestão do plano. A startup coordena a entrada e saída de funcionários, por meio da integração com a folha de pagamentos de cada companhia. Também avalia qual o nível de sinistralidade e faz previsões de reajuste. “As empresas costumam atuar às cegas. Depois, ela e os funcionários se surpreendem com um reajuste que poderia ter sido previsto”, diz Manoela.
A Pipo Saúde começou apenas com uma plataforma voltada para a área de recursos humanos. Mas depois inaugurou a Me Ajuda, uma plataforma para ajudar os funcionários a fazerem o melhor uso da solução de saúde contratada. “Para garantir que os custos estejam sob controle, falamos com as pessoas o tempo todo por meio de e-mail e WhatsApp. Os funcionários nos procuram e nós também procuramos o contato, especialmente com funcionários que estejam grávidos ou tenham doenças crônicas. Substituir a ida ao pronto socorro por um atendimento primário acaba reduzindo os custos com a saúde”, diz a cofundadora. O Me Ajuda reporta que 46% dos membros usaram o serviço nos últimos 12 meses e que 96% reportaram satisfação com a plataforma.
A Pipo Saúde atende 100 companhias hoje, que vão de 30 até 2.500 funcionários. Ao todo, são 15.000 vidas de funcionários geridas. “São empresas que já se beneficiariam de uma gestão de saúde integrada, mas estão em um vácuo do mercado que gera mal atendimento. São pequenas demais para grandes players de saúde, e grandes demais para corretores individuais”, diz Manoela. A Pipo Saúde se monetiza com uma comissão repassada pelas operadoras de saúde, com base no número de vidas atendidas. As empresas não têm custo adicional.
Apenas em 2020, a Pipo Saúde foi de zero para 70 empresas atendidas. “A pandemia de Covid-19 trouxe duas tendências. Primeiro, a preocupação maior com um plano de saúde. Muitas empresas pequenas buscaram oferecer um plano pela primeira vez aos funcionários. Outra tendência foi a digitalização da contratação do plano de saúde. O mercado estava acostumado a um serviço presencial, com uma pessoa indo na empresa e documentos em papel. O atendimento completamente digital virou algo valorizado em tempos de trabalho remoto”.
No primeiro semestre de 2021, a Pipo adicionou mais 30 empresas ao portfólio e chegou às mencionadas 100 companhias atendidas. O salto maior foi em número de vidas: nos últimos doze meses, o número de funcionários com saúde gerida pela startup aumentou em oito vezes. “Nossa solução se mostrou aderente e conseguimos conquistar empresas de maior porte”, explica Manoela.
Esse não foi o primeiro aporte da Pipo Saúde. A startup já tinha anunciado um aporte semente de US$ 4,6 milhões em junho de 2020. Os recursos vieram meses antes, de fundos como Kaszek Ventures, Monashees e ONE VC. Também participaram anjos como David Vélez, cofundador do Nubank. “Ainda estávamos na fase do Power Point. Esse foi nosso capital inicial para criar a marca, contratar pessoas e finalmente levantar a empresa”, explica Manoela.
A atual rodada série A foi liderada pelo Thrive Capital e acompanhada pelo Atlantico e por anjos como Hans Tung (sócio operador da GGV Capital), Florian Otto (CEO do unicórnio de saúde americano Cedar e ex-CEO do Groupon no Brasil) e Henrique Loyola (CEO da Avec e ex-sócio da XP). Todos os investidores da rodada semente acompanharam a série A.
“O Thrive Capital é um dos maiores investidores de startups no mundo e está por trás da gigante Oscar Health e de benchmarks nossos, como Nava e Rightway. Esse também foi o primeiro investimento que o fundo liderou na América Latina, e a primeira empresa de saúde apoiada no Brasil”, diz Manoela. A Oscar Health é uma companhia pública, avaliada em cerca de US$ 4,2 bilhões na bolsa americana de tecnologia Nasdaq. Nava e Rightway captaram, respectivamente, US$ 20 milhões e US$ 130 milhões com investidores.
Já o Atlantico é um fundo de investimento criado por Julio Vasconcellos, investidor e cofundador do Peixe Urbano. “O Atlantico é como um Canary [fundo semente que Vasconcellos cofundou] para startups em estágio avançado. O fundo traz uma conexão poderosa com o ecossistema de empreendedorismo brasileiro, e nos vemos como uma empresa nacional mesmo em longo prazo. Precisamos nos aprofundar na saúde brasileira se quisermos entregar melhor cuidado e redução de custos”, diz Manoela.
Essa foi a maior rodada série A já recebida por uma startup brasileira que atua com saúde – o recorde anterior era de R$ 86 milhões recebidos pela Sami. Valores maiores foram vistos em outras rodadas. A Alice recebeu cerca de R$ 180 milhões em sua série B.
Os recursos serão usados para contratações, desenvolvimento de produto e marketing/vendas. A Pipo Saúde pretende ir de 100 para 200 funcionários até o final de 2021. Em desenvolvimento de produto, terá mais integrações com softwares na plataforma para profissionais de RH. Já na plataforma para os funcionários, pretende desenvolver um app próprio para ir além do WhatsApp. Marketing e vendas serão fundamentais para manter a meta de crescimento da startup. O plano é dobrar o número de vidas sob gestão até o final deste ano, chegando a 30 mil funcionários atendidos.