O risco de disseminação da variante Delta do novo coronavírus no Brasil preocupa a direção do Hospital das Clínicas de São Paulo, o maior complexo hospitalar da América Latina, num momento de queda contínua no número de casos, internações e mortes pela doença - e também num momento de afouxamento de medidas de isolamento.
A Delta tem alta capacidade de transmissão e tem se espalhado rapidamente por países asiáticos e europeus. No entanto, há indicações de que a variante não seja tão letal. Ainda assim, põe o HC em alerta. “Estamos muito preocupados com a variante Delta. O que sabemos da experiência de outros países é que ela é mais transmissível, embora ainda não se sabia se a gravidade é maior. Temos dados que mostram que ela é tão grave quanto a Gamma [variante predominante no Brasil]”, afirma o vice-diretor clínico do HC, Edivaldo Massazo Utiyama. Até ontem, havia cerca de cem casos da variante Delta identificados no Brasil, a maior parte, 83, no Rio de Janeiro. No Estado, já é a segunda cepa mais predominante, segundo a Secretaria de Saúde.
A vacinação tem avançado no país, mas apenas pouco mais de 16% da população total foi imunizada com duas doses até agora, condição principal para que as vacinas protejam contra a Delta. Em países como Estados Unidos e Reino Unido, com uma proporção muito maior de vacinados, as infecções dispararam e estão ocorrendo principalmente entre a população não imunizada. As internações têm aumentado, mas num grau menor.
O vice-diretor pondera que a imunização tem evoluído no Brasil; por outro lado, mais atividades têm sido liberadas pelos governos, o que fez baixar o isolamento social. Bares e restaurantes, por exemplo, têm recebido um público crescente, muitas vezes com aglomerações. (Leia mais ao lado).
Como outros hospitais, o HC registra há semanas queda nas internações por covid-19. Atualmente, recebe cerca de 70 solicitações de internações de pacientes (UTI e leitos clínicos) por dia, uma fração dos 400 pedidos diários no pico da segunda onda, entre março e abril. O hospital mantém ativo um centro de vigilância epidemiológica e um plano de contingência para responder rapidamente a um eventual aumento de demanda por leitos para covid-19. “Conforme aumentarem o número de casos de casos vamos flexibilizando o número de leitos e recursos para atender os doentes”, observa Utiyama, lembrando também o caráter imprevisível da pandemia. “Desde o início tem sido um aprendizado diário e vamos nos adaptando conforme ganhamos conhecimento. Mas algo que pode ser válido hoje pode não ser na semana que vem. Por isso, a vigilância é tão importante”.
A ameaça potencial da variante Delta chega num momento delicado para o HC: a demanda por tratamentos não covid disparou e está maior que no período pré-pandemia. Hoje, as solicitações de internação por outras doenças estão em cerca de 150 por dia, na comparação com 120 antes do novo coronavírus. Os pedidos mais frequentes estão relacionados a neoplasias (tumores malignos ou não) e doenças crônicas.
Ao longo da pandemia, parte da população não procurou tratamento e, nos momentos mais agudos, mesmo os hospitais não tinham capacidade de atendimento. “Agora, com a diminuição das internações por covid, temos a atenção dividida com os casos não covid”, diz o vice-diretor.
A grande dificuldade num eventual aumento expressivo de internações serão recursos humanos, que se tornaram mais escassos diante do grande contingente de pessoal mobilizado para tratar doentes da pandemia e de outras enfermidades. “Os hospitais em geral estão registrando essa necessidade de pessoal para atender doentes com e sem covid-19”, diz o médico.
Por isso não é o momento de abandonar máscaras e distanciamento social, afirma Utiyama, que, no entanto, evita fazer críticas à queda nos indicadores de isolamento social. “Chega um momento em que as pessoas têm necessidade de buscar sustento porque a situação não está fácil. Mas recomendamos que usem máscara, mantenham distanciamento. Ainda não dá para ser como era antes da pandemia.”