Relações ou frações entre as instituições de saúde
01/08/2014 - por Por José Luiz Bichuetti

~~Qual é o grau de desenvolvimento nas relações entre as instituições de saúde no Brasil, comparado a países mais evoluídos no seu modelo socioeconômico? Uma realidade é convergente: não há um sistema com foco primário na saúde - cuidado, prevenção e manutenção. Há uma rede de serviços com o objetivo de "consertar" problemas e deficiências.

Há mais de 50 anos, Peter Drucker, um dos maiores gurus de administração, já afirmava que o setor da saúde é o mais complexo entre todos os setores econômicos na sua forma de gestão e de relacionamento entre as partes. Quem já atuou em outros setores pode atestar isso de maneira inequívoca. Para fazer com que haja relações fluidas nessa rede de relacionamentos, de tal forma que todos possam cumprir com sua missão perante seus acionistas/mantenedores e a sociedade, seria necessário um empenho conjunto entre os diversos componentes dessa cadeia de valor. Mas isso não ocorre e as partes buscam satisfazer a seus interesses próprios - e, não raro, em detrimento de interesses de outros ou da própria sociedade -, gerando elos corroídos nessa cadeia, que se torna fragilizada. Fato agravado pela notória deficiência na gestão da maioria das instituições de saúde, que inclui também o setor governamental.

O indivíduo quer um plano de saúde. Se não está empregado ou não pertence a uma entidade de classe que oferece um plano por adesão, ele tem opções limitadas ou de custo alto. Se for idoso, a situação é ainda pior. Quando há necessidade de um procedimento, se seu plano não for de nível intermediário para cima, muitas vezes é preciso um embate com a operadora/seguradora, mesmo com cobertura garantida pelo plano.


Bases de dados podem ser usadas para promover a qualidade do atendimento e segurança do paciente

Hospitais e operadoras/seguradoras ainda vivem na cultura da "gestão por custos", sem buscar soluções saudáveis. Um círculo vicioso que causa prejuízos aos dois lados e aos pacientes. Preocupam-se, principalmente, em buscar erros de faturamento nas contas hospitalares e aplicam glosas incabíveis. Enquanto um fiscaliza o bolso do outro, o verdadeiro "ladrão" sai pela porta lateral, na forma de permanências prolongadas, readmissões desnecessárias, exames em excesso, uso de materiais e medicamentos de forma pouco racional, falta de cuidado preventivo e de acompanhamento. As fontes pagadoras possuem bases de dados que podem ser usadas para promover a qualidade do atendimento e segurança do paciente, e não o fazem.

A maioria dos hospitais carece de processos de gestão eficazes e de profissionais de gestão qualificados. Sofrem pressão das fontes pagadoras, que adotam, inclusive, atitudes arrogantes e unilaterais, pouco abertas a diálogos. Não possuem economia de escala para negociar melhores condições com fornecedores, ficam defasados tecnologicamente e com recursos limitados para atualizações operacionais.

Operadoras e seguradoras de saúde têm sido criticadas, questionadas e responsabilizadas por aumentos de custos do setor. A contínua expansão dos procedimentos cobertos, evolução da tecnologia (que deveria facilitar, mas aumenta custos num primeiro momento) e outras demandas aumentam sua sinistralidade e a busca de redução de custos, com pressões sobre prestadores de serviços - hospitais, clínicas, médicos, serviços de diagnóstico e terapia - e seus próprios associados. Buscam também a verticalização, muitas vezes sem os recursos adequados para fazer investimentos, o que prejudica suas operações e relacionamentos.

Os médicos, principalmente os que dependem de fontes pagadoras (e seu número é crescente), sofrem pressão para atender a vários pacientes por hora, de maneira a cumprir demandas de seus pagadores e também para compensar sua baixa remuneração por consulta. Ao mesmo tempo, para compensar o pouco tempo dedicado ao paciente e evitar falha diagnóstica pedem uma quantidade e diversidade maiores de exames. E não desenvolvem uma saudável relação médico-paciente.

 

Image Source/Folhapress / Image Source/Folhapress.

Cinquenta milhões de pessoas são cobertas por planos de saúde no Brasil. Para as demais, há o SUS - Sistema Único de Saúde. Conscientes de sua deficiência, governos recorrem a contratos de gestão com entidades privadas, que se empenham em prover uma assistência de qualidade. Existem dirigentes públicos que constituem parcerias saudáveis, mas, em várias situações, as entidades contratadas são prejudicadas pelos próprios governos, pois muitos não liberam os recursos comprometidos ou impõem barreiras operacionais. Ao invés de parcerias saudáveis, presenciamos confrontos improdutivos.

Há ainda a judicialização da saúde que cresce a passos largos. Poucos são os juízes ou promotores que conhecem as complexidades do setor e acabam por acatar processos muitas vezes infundados. Chegam a desconsiderar termos contratuais, julgando, via de regra, em favor do paciente.

A ANS emite diversas resoluções, buscando corrigir uma legislação para planos de saúde, formulada de forma apressada e imposta goela abaixo, sem diálogo com o setor. E começa a atuar também no setor hospitalar.

Adicione-se a tudo isso a formação de uma pirâmide invertida, que gera novos desafios: menos jovens entrando no sistema e maior custo com o envelhecimento. A falta de confiança e de diálogo entre os vários componentes da cadeia de valor da saúde é tão grande que medidas essenciais são ignoradas, o que demandaria mais criatividade e inovação por parte de governos, provedores de serviço, fontes pagadoras e usuários. No entanto, cada um pensa por si e, não raro, contra o outro, gerando um círculo vicioso que não tem perspectiva de ser quebrado e reorientado para outro círculo, este virtuoso.

José Luiz Bichuetti, engenheiro, mestre em administração pela University of Hartford, EUA, é superintendente da Associação Congregação de Santa Catarina (ACSC), instituição filantrópica que atua nas áreas de saúde, educação e assistência social.

 

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