Marmita democrática
29/07/2014 - por Por Alessandra Saraiva, Diogo Martins e Renata Batista | Do Rio

"Está na hora de você rever seus conceitos": o conselho oferecido pelo bordão de uma série publicitária criada por uma montadora de automóveis, que fez sucesso há cinco anos, pode cair como uma luva a quem faz refeições fora de casa hoje. E a culpa é da inflação de serviços. Comer em restaurantes, lanchonetes e outros estabelecimentos virou um peso no orçamento doméstico. Tanto que especialistas recomendam até mesmo a adoção da popular marmita. Isso mesmo. Trazer uma "quentinha" de casa pode ganhar status de essencial ou, pelo menos, representar um alívio no planejamento financeiro de profissionais dos mais variados estratos sociais.

Consultores estimam que o peso de comer fora do domicílio já alcança quase o valor de um carro popular ao ano no bolso do consumidor de alto poder aquisitivo. "Creio que passou do limite do razoável", salientou o professor da Escola de Economia de São Paulo (EESP-FGV), Samy Dana. Na simulação do especialista, um brasileiro que gasta em torno de R$ 30 para almoço e R$ 70 para jantar, com happy hour diário em torno de R$ 14, semanalmente, excluindo finais de semana, gasta R$ 26 mil anualmente com refeições fora de casa. Para se ter uma dimensão do custo de oportunidade desse desembolso, "uma aplicação da Selic, após impostos, desse dinheiro renderia R$ 27,3 mil [no total] em um ano para um investidor", frisou Dana.

Uma pesquisa da Associação das Empresas de Refeição e Alimentação Convênio para o Trabalhador (Assert), que coletou 5.580 preços de diferentes tipos de refeições, como prato feito, quilo e à la carte, a partir de 4.681 entrevistas de representantes de estabelecimentos em 49 municípios, revela o impacto desse gasto no bolso de quem tem de se alimentar fora. Em janeiro de 2014, o preço-médio das refeições do gênero em São Paulo variava de R$ 25,74 em bairros da periferia, como São Miguel Paulista e Itaquera, a R$ 34,97 em regiões nobres da cidade, entre as quais Itaim Bibi e Moema.

O levantamento mostra ainda que a média de gastos do país para se alimentar fora de casa alcançava R$ 30,14 no início do ano. No fim de 2012, o preço médio no Brasil, conforme o mesmo levantamento, situava-se em R$ 27,46. Ou seja, entre um estudo e outro houve uma alta de 9,76%. Ainda segundo a pesquisa, o custo mensal médio para quem come em estabelecimentos na capital paulista chega a R$ 740, o que projeta um desembolso de R$ 8,9 mil no ano. No Rio, o valor é ainda maior: R$ 817,52 ou R$ 9,8 mil anuais.

O consumidor está atento à disparada de preços nesse segmento, comentou o professor de Finanças do Ibmec, Gilberto Braga, e já busca alternativas para driblar o impacto da alta no bolso. "A solução é levar marmita", afirmou Braga, revelando que ele mesmo faz isso, em seu ambiente de trabalho. "A marmita hoje não é mais algo de segunda categoria, a ser levada por empregados que ganham menos", disse, afirmando que, hoje, muitas empresas oferecem espaços coletivos de refeitório para quem prefere trazer refeições de casa, para comer no trabalho. "É uma mudança de hábito", comentou.

Outros tentam diminuir a frequência em restaurantes. É o caso de Marlene Alves de Souza, sommelier, moradora de Copacabana, zona Sul do Rio. "Está tudo muito caro nos restaurantes. Há três meses, o quilo dos restaurantes que frequento em Copacabana custava R$ 45; hoje, está R$ 55", reclamou.

 

 

A inflação acumulada em 12 meses nas refeições fora de casa mostrou, em junho, o patamar mais elevado nos últimos 11 anos para o mês. Segundo cálculos do economista da Fundação Getúlio Vargas (FGV) André Braz, a inflação acumulada em 12 meses de alimentação fora de casa alcançou 9,84% em junho, a maior do ano e a mais alta para o mês desde 2003, quando chegou a 15,18%.

O cenário não melhora, pelo menos até o ano que vem. Economistas ouvidos pelo Valor alertam que, embora exista perspectiva de ligeira desaceleração, devido a um possível enfraquecimento na variação de preços dos serviços como um todo, a inflação no segmento vai estacionar em nível elevado no segundo semestre, com possibilidade de pressionar a inflação de 2015.

Mesmo o eventual alívio na alta dos preços de alimentos, que pressionou a inflação no início do ano, pode ser insuficiente para conter a escalada de custos de estabelecimentos de refeições. Isso porque, na prática, a composição de preços nesse tópico não obedece apenas à evolução de preços dos alimentos, comentou Braz. O economista da FGV detalhou que reajustes sucessivos, por parte dos comerciantes, levaram a esse cenário. Esses ajustes normalmente são relacionados a custos como salários pagos; tarifas de água, energia elétrica e aluguel do estabelecimento; entre outros tópicos - e esses preços não têm perspectiva de desaceleração no segundo semestre. "A comida é apenas uma parte", comentou, acrescentando que, por isso, mesmo com a perspectiva de alimentos mais baratos nos últimos seis meses do ano, o patamar da inflação da alimentação fora de casa deve continuar elevado, nos próximos meses. A coordenadora de índice de preços do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Eulina Nunes dos Santos, concorda. "Não há indicação de recuo de preços [nesse momento]", disse, sem fazer previsões.

O mais preocupante é que a variação de preços, na refeição fora de casa, já esteja tão elevada, no acumulado em 12 meses, que possa conduzir a uma persistência inflacionária expressiva para 2015, alertou o ex-diretor do Banco Central (BC) e chefe da Divisão Econômica da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), Carlos Thadeu de Freitas. A refeição fora de casa representa em torno de um terço da inflação de serviços como um todo --sendo que serviços também é a terça parte na composição do IPCA. "Com certeza vai ter 'carry over' para 2015", afirmou.

Um dos aspectos que contribuem para essa permanência de altos preços nas refeições fora de casa é a continuidade de cenário favorável no mercado de trabalho, avaliou a economista da Tendências Consultoria, Adriana Molinari. Ela lembrou que, embora em ritmo menor, a renda do trabalhador continua a crescer, e a taxa de desemprego opera a um nível baixo. "Não podemos nos esquecer que tivemos uma mudança muito significativa no mercado de trabalho nos últimos dez, 15 anos. No passado, tínhamos taxa de desemprego em torno de 10% mensalmente, e hoje, essa taxa gira em torno de 4% a 5% ao mês", disse. A renda fixa do trabalho fortalece o poder de compra do consumidor, e ajuda a manter aquecida a demanda interna por serviços - principalmente por alimentação, uma necessidade para quem trabalha fora do domicílio.

Para Newton Rosa, economista chefe da SulAmérica Investimentos, a única chance de desaceleração sustentável na inflação desse tópico é redução mais agressiva na atividade econômica, com enfraquecimento expressivo na demanda. Isso conduziria a recuo na inflação de serviços como um todo - incluindo, nesse caso, a alimentação fora de casa. "Só vai desacelerar se a economia desacelerar forte", resumiu, acrescentando que aperto monetário mais vigoroso, com juros mais altos inibindo o consumo no mercado doméstico, também poderia contribuir para frear o avanço de preços no setor.



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http://www.valor.com.br/financas/3629444/marmita-democratica#ixzz38tHGdUYU




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