A cobertura da vacinação infantil tem caído de forma significativa no Brasil desde 2016 e com a pandemia os números pioraram muito em 2020. Das nove principais vacinas, oito foram aplicadas em menos de 80% do público-alvo, para uma meta que varia de 90% a 95%, dependendo do imunizante, de acordo com estudo da pesquisadora em economia da saúde Letícia Nunes, do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (Ieps).
No ano passado, o distanciamento social e o receio das pessoas em comparecer aos serviços de saúde diminuíram as vacinações de rotina e deixaram ainda mais crianças em risco de contrair doenças preveníveis. Notícias falsas envolvendo vacinas também têm papel na queda das taxas de imunização, este um problema anterior à pandemia, mas que se agravou com ela.
A pior situação é da vacina contra a hepatite B, aplicada em apenas 62,8% dos bebês com até 30 dias (ver quadro).
“Os percentuais passaram de valores acima das metas em 2015 para níveis bem abaixo do recomendado em 2019”, afirma Nunes, que levantou a situação de nove imunobiológicos presentes no Calendário Nacional de Vacinação: poliomielite, tríplice viral (primeira dose), BCG, pentavalente, hepatite B (em bebês até 30 dias), hepatite A, pneumocócica, meningocócica C e rotavírus humano.
Se na média do país os números são ruins, o mapa da vacinação por municípios mostra grande disparidade. O cenário, diz, a pesquisadora, é alarmante. Em 2020, menos de 50% dos municípios brasileiros atingiram a meta de qualquer uma das nove vacinas analisadas, deixando muitas áreas vulneráveis a surtos de doenças. O melhor desempenho foi da vacina do rotavírus humano, em que 46% dos municípios atingiram a meta. O pior foi da hepatite B, com apenas 13%.
“É muito preocupante, porque teremos cada vez mais crianças suscetíveis a contrair doenças que podem inclusive gerar sequelas permanentes, algo que pode ser evitado com a vacinação”, afirma Nunes. O que pode elevar também a demanda por serviços de saúde, já bastante pressionado pela pandemia.
A análise mostra o Amapá e o Rio de Janeiro recorrentemente entre os três piores Estados em termos de cobertura em 2020. Santa Catarina, Ceará, Paraná e Minas Gerais são aqueles com os melhores números.
Baixas taxas de vacinação permitem o reaparecimento e disseminação de doenças que estavam controladas ou até mesmo erradicadas no Brasil, país que era até pouco tempo reconhecido internacionalmente pelo seu eficiente Programa Nacional de Imunizações (PNI).
O sarampo é o caso mais emblemático. Depois décadas de combate, o Brasil recebeu o certificado de erradicação da doença em 2016. Mas o vírus voltou ao país já em 2018 por meio de imigrantes na fronteira com a Venezuela, num momento de queda na cobertura vacina. Naquele ano, 10,33 mil casos de sarampo no Brasil. Em 2019, o número dobrou para 20,9 mil e o país perdeu o certificado de erradicação da doença concedido pela Organização Mundial da Saúde (OMS). O mesmo pode acontecer com outras doenças.
A queda da cobertura vacinal responde, segundo Juarez Cunha, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), ao que a OMS define como três “Cs”: complacência, conveniência e confiança. O primeiro refere-se à falsa sensação de segurança provocada pelo desaparecimento das doenças, levando as pessoas a pensar que não há riscos na falta de vacinação. O segundo abrange questões como a oferta de vacinas e treinamento de pessoal. “Nosso calendário é um dos mais completos do mundo, mas também muito complexo, que exige uma capacitação dos profissionais de saúde”, observa Cunha. Isso tem sido um desafio com os recursos cada vez mais escassos do SUS. Por fim, a confiança, não só quanto à eficácia das vacinas, mas também a fé nas instituições. São problemas não exclusivamente brasileiros. Estados Unidos e Europa têm enfrentado o mesmo problema.
No Brasil, a confiança tem pesado mais nos últimos tempos. “É um dos maiores problemas. É necessário passar um recado de confiança nas vacinas”, diz o presidente da SBIm. Mas tem havido muita desinformação.
Em geral, o brasileiro acredita nas vacina. Historicamente, há 5% de descrentes. “O hesitante é aquele que você pode convencer, mas este está recebendo muita desinformação, que leva à desconfiança”, observa.
Cunha lembra que, mais que individual, a vacinação é uma decisão coletiva. E exemplifica com a imunização contra o sarampo, que não pode ser aplicada em determinadas crianças. “Ao vacinar 95% delas, protejo também os que não podem se vacinar e aqueles que não respondem à vacina”, diz.