Vacinação desacelera e Brasil tem 5 milhões de pessoas sem tomar 2ª dose
02/06/2021

A interrupção na produção de vacinas por falta de insumos provocou um atraso na já lenta campanha de imunização brasileira contra a covid-19 em maio e contribuiu para elevar o número de pessoas que não tomaram a segunda dose para 5 milhões, mais um revés para o Brasil, que se aproxima da marca de 500.000 óbitos no país.

Depois de aplicar mais de 24,5 milhões de vacinas em abril, o Brasil administrou 21 milhões de injeções de imunizantes contra o novo coronavírus no mês passado, um recuo de 14,2%, de acordo com dados compilados pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) junto às Secretarias Estaduais de Saúde.
 

A queda ocorreu exclusivamente na aplicação das segundas doses, que passou de 10,6 milhões em abril para 6,6 milhões em maio — mês em que o Instituto Butantan e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) paralisaram suas linhas de produção temporariamente por falta de insumos, respectivamente, das vacinas Coronavac e Oxford/AstraZeneca.

De acordo com o presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), Carlos Lula, cerca de 5 milhões de pessoas não compareceram para tomar a segunda dose de ambos os imunizantes desde o início da campanha de imunização.

 

"O Conass está conversando com o Ministério e vendo o que consegue fazer para acelerar a vacinação", disse ele à Reuters.

Até o momento, o Brasil vacinou 21,5% da população com uma dose contra a covid-19, mas menos da metade (10,5%) com as duas doses, segundo dados do Ministério da Saúde. O país é o segundo do mundo com mais óbitos pela doença, atrás dos Estados Unidos, com mais de 462.000 mortes, e tem média nos últimos sete dias de mais de 1.800 mortes a cada 24 horas.

 

O ritmo lento da campanha de imunização, junto com o afrouxamento das medidas de restrição de circulação, colocam o Brasil a caminho de um agravamento ainda maior da pandemia nas próximas semanas, com risco de se tornar o país com o maior número de vítimas fatais da covid no mundo, de acordo com especialistas ouvidos pela Reuters.

No mês de junho, o ministério tem a expectativa de entregar aos estados 41,9 milhões de doses, sendo 20,9 milhões de doses da vacina da AstraZeneca fornecidas pela Fiocruz; 12 milhões de doses da vacina da Pfizer; 5 milhões de doses da Coronavac e 4 milhões de vacinas a ser recebidas por meio do programa global Covax.

Sem Coronavac

O maior problema no atraso da segunda dose diz respeito à Coronavac, devido a uma escassez de doses no país em decorrência da falta do insumo farmacêutico ativo (IFA) enviado pela China ao Butantan.

A vacina desenvolvida pela chinesa Sinovac foi aplicada como primeira dose em 20,7 milhões de brasileiros desde o início da campanha em janeiro, mas apenas 17,8 milhões receberam a segunda dose, de acordo com dados de plataforma de vacinação do Ministério da Saúde atualizados até 31 de maio.

Os dados do ministério não especificam se as quase 3 milhões de pessoas que não tomaram a segunda dose estão dentro ou fora do prazo estipulado em bula de até 28 dias entre as doses, mas desde o mês passado a vacina tem sido utilizada exclusivamente para a dose de reforço e cidades de todo o país têm reclamado da falta do imunizante para completar o esquema vacinal dentro do prazo previsto.

Pesquisa realizada pela Confederação Nacional de Municípios (CNM) na semana passado apontou que em pelo menos 435 cidades brasileiras houve falta de doses da Coronavac para a segunda dose.

 

"Houve uma falta da Coronavac, que ficou muito restrita, e mesmo assim para vários locais não tem Coronavac", disse à Reuters o médico Juarez Cunha, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm). "A gente vai ter um percentual de pessoas que estão aguardando e ainda vão continuar aguardando, isso atrapalha todo o andamento."

A última entrega do instituto ao Ministério da Saúde ocorreu em 14 de maio e a próxima será apenas em meados de junho, após a chegada de um novo lote de IFA na semana passada. Segundo o Butantan, declarações do presidente Jair Bolsonaro — que chegou a dizer que a vacina jamais seria usada no Brasil — contra a China podem ter contribuído para um atraso na exportação pelos chineses.

Procurado, o Ministério da Saúde não informou o número de pessoas que não compareceram para tomar a segunda dose das vacinas contra a covid. Em abril, quando divulgou seu único balanço a respeito, a pasta informou que 1,5 milhão de pessoas estavam com a segunda dose atrasada.

A pasta informou em nota que enviou o quantitativo necessário para completar o esquema vacinal com a segunda dose. "Mais de 5 milhões de vacinas Coronavac foram enviadas entre os dias 7 e 19 de maio, após o levantamento realizado pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems)", disse.

Inicialmente, o Ministério da Saúde enviava as doses da Coronavac aos estados com recomendação para divisão entre doses 1 e 2 e orientação para armazenamento da segunda dose, mas a pasta mudou essa orientação em março, autorizando a aplicação de todas as vacinas como primeira dose, afirmando ter garantia de entrega de vacinas pelos fornecedores — o que acabou não se concretizando.

 

"Fake news"

No caso da vacina da AstraZeneca, que tem maior disponibilidade de doses atualmente e poucos relatos de falta de vacinas, praticamente todas as injeções têm sido destinadas à primeira dose para ampliar o número de pessoas imunizadas em um esforço para conter a pandemia.

A estratégia, porém, também pode representar um risco se houver interrupção de fornecimento do IFA — que também é proveniente da China — quando chegar o momento da dose de reforço.

"A AstraZeneca tem essa facilidade desse período maior, de três meses, entre as doses, mas mesmo assim está sendo aplicada muita primeira dose e o Brasil precisa se organizar para que as segundas doses não vençam quase todas juntas e a gente não tenha como vacinar as pessoas, porque se a gente tiver interrupção no cronograma vai acontecer o que está acontecendo com a Coronavac agora, vai acontecer com a AstraZeneca", disse o pesquisador em saúde pública Diego Xavier, da Fiocruz.

Além da escassez de vacinas, há outras questões por trás do não comparecimento para se tomar a segunda dose, como boatos contra a vacina, falta de informação sobre a importação do reforço e a desistência de pessoas que tiveram efeitos colaterais normais após a primeira dose, de acordo com especialistas.

 

"As pessoas estão com dois temores em relação à segunda dose, dois tipos de ´fake news´: não precisa da segunda dose, a primeira já protege, e a outra é que a vacina é perigosa. As duas coisas prejudicam a campanha de vacinação", disse o pesquisador Christovam Barcellos, coordenador do Laboratório de Informação em Saúde da Fiocruz.

"Com uma campanha bem-feita pouquíssima gente se nega a tomar a vacina. Tem de reforçar a ideia de que a pessoa tem de retornar e até mesmo levar a vacina até a casa das pessoas que têm dificuldades para ir aos locais de vacinação", acrescentou.

Apesar de ter prometido ainda em abril lançar uma campanha para reforçar a necessidade da segunda dose, até o momento o Ministério da Saúde não avançou em nenhum programa nesse sentido.

"Ainda há uma comunicação inadequada para falar da importância da segunda dose", disse a epidemiologista Carla Domingues, ex-chefe do Programa Nacional de Imunização.

A importância da segunda dose tem sido confirmada em diversos estudos com as vacinas pelo mundo. No caso específico da CoronaVac, o imunizante tem eficácia de apenas 16% para evitar uma infecção sintomática em pessoas que receberam apenas uma dose, de acordo com estudo realizado pelo Ministério da Saúde do Chile.

Um estudo do Butantan na cidade de Serrana, no interior de SP, mostrou uma redução de 95% nas mortes por covid-19 após a imunização com as duas doses, mas cinco pessoas acima de 60 anos morreram no intervalo entre as duas aplicações.

Fonte: Exame




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