Responsável por quase 8 milhões de mortes por ano no mundo, o consumo de cigarro é um problema de saúde global, que se torna uma ameaça ainda maior na pandemia de Covid-19. Organizações sanitárias e instituições de pesquisa internacionais tratam o tabagismo como uma epidemia. E diante da doença provocada pelo novo coronavírus, que afeta principalmente o sistema respiratório, reforçam nesta segunda-feira (31), Dia Mundial sem Tabaco, a importância de se combater o problema.
Um estudo feito por cientistas de todo o mundo, publicado no periódico científico The Lancet, traçou um retrato global do problema e revelou a gravidade do cenário. De acordo com a pesquisa, em 2019, o tabagismo foi responsável pela morte de 7,7 milhões no planeta e o principal fator de risco de morte entre os homens. Naquele ano, o planeta tinha ao menos 1,1 bilhão de fumantes, que consumiram o equivalente a 7,4 trilhões de cigarros no período
O trabalho destaca que o crescimento populacional e do número total de fumantes tem anulado parte dos benefícios da redução proporcional de consumidores de cigarro no planeta nas últimas três décadas, o que reforça o desafio internacional. Comparados os números absolutos, a quantidade de consumidores de cigarro saltou de 990 milhões em 1990 para 1,1 bilhão em 2019.
Vera Borges, psicóloga e integrante da equipe da Divisão de Controle de Tabagismo do Instituto Nacional de Câncer (INCA), alerta que o tabagismo causa diferentes tipos de inflamação e prejudica os mecanismos de defesa do organismo, o que o caracteriza como fator de risco para a Covid-19.
“Como há uma fragilidade e vulnerabilidade respiratória causadas pelo uso do tabaco, essas pessoas correm um risco maior de desenvolver a forma mais grave da doença. As pessoas que já tentaram parar de fumar sozinhas e não conseguiram devem buscar ajuda no Sistema Único de Saúde, vale a pena parar de fumar”, ressalta Vera.
O tabagismo diminui a qualidade de vida e traz um alto custo para o sistema de saúde. “O Dia Mundial sem Tabaco é uma maneira de chamar a atenção da população em todo o mundo sobre os diversos prejuízos causados pelo tabagismo, que é considerado uma doença e, além disso, contribui para o desenvolvimento de outras doenças crônicas, como doenças cardiovasculares, câncer, diabetes e doenças respiratórias”, comenta Vera Borges.
O câncer de pulmão tem como principais fatores de risco o tabagismo ativo, da pessoa que fuma diretamente, e passivo, quem inala a fumaça secundariamente. Segundo estimativas do INCA, o Brasil deve registrar, até o final do ano, 17.760 novos casos de câncer pulmonar em homens e até 12.440 casos em mulheres. Estima-se que o risco seja 23 vezes maior para homens fumantes e 13 vezes maior para as mulheres, em comparação com quem não fuma.
Segundo Vera, o tabagismo está relacionado ao desenvolvimento de diversos tipos de câncer, e não apenas daquele que afeta os pulmões. O fumo pode provocar tumores na cavidade nasal e oral, faringe e laringe, que entram em contato com a fumaça, mas também atinge órgãos como esôfago, fígado, estômago, pâncreas, rins e bexiga.
Segundo o urologista do Hospital Israelita Albert Einstein, Fernando Leão, o cigarro potencializa em duas a quatro vezes o risco de desenvolver câncer de bexiga. A explicação está nas substâncias tóxicas do cigarro, que têm muito contato com o órgão.
“O cigarro é o fator de risco mais comum com o desenvolvimento do câncer de bexiga. Ao fumar, a pessoa inala a fumaça que contém mais de 50 tipos de substâncias tóxicas. Elas são absorvidas na parte pulmonar, transferidas para a corrente sanguínea, filtradas pelos rins e chegam até a bexiga”, explica.
Para entender os fatores relacionados à prevalência do uso do cigarro e as doenças associadas ao tabagismo, os pesquisadores responsáveis pelo estudo publicado na The Lancet conduziram uma ampla análise, considerando padrões demográficos, temporais e espaciais de mais de 200 países e territórios, no período de 1990 a 2019.
Considerando pessoas com 15 anos ou mais, recorte utilizado pelo estudo, a diminuição proporcional de fumantes no mundo foi de 27,5% para homens e de 37,7% para mulheres desde 1990. As maiores reduções foram observadas no Brasil, onde a prevalência diminuiu 72,5% entre os homens e 74,7% entre as mulheres. Também foram registradas reduções nos índices de países como Noruega, Senegal, Islândia, Dinamarca, Haiti, Austrália, Costa Rica, Canadá e Colômbia.
Para chegar aos resultados, os pesquisadores identificaram e coletaram dados de 3.625 inquéritos representativos nacionais, incluindo pesquisas multinacionais e específicas de cada país, cobrindo 200 dos 204 países e territórios incluídos na análise. Para os países que não apresentavam dados, as estimativas foram inteiramente baseadas em modelos.
Os pesquisadores usaram, então, duas etapas para o processamento de dados, incluindo modelos matemáticos. O estudo aponta que em vários países com grandes populações e alta prevalência de tabagismo pouco ou nenhum progresso foi feito na redução dos índices.
A pesquisa chama a atenção para a China, que teve 2,4 milhões de mortes em 2019 e um aumento de 57,9% nas mortes atribuíveis ao fumo desde 1990, e para a Indonésia, que registrou 246.400 mortes em 2019 e um aumento de 118% nas mortes atribuíveis considerando o mesmo período.
Outro destaque é que a maioria dos países não teve reduções suficientes na prevalência do tabagismo na mesma proporção do crescimento populacional, resultando em um número constante ou crescente de fumantes ao longo do tempo. Segundo o artigo, 113 países tiveram um aumento significativo, desde 1990, e 111 países seguiram o mesmo ritmo desde 2005.
Em consenso sobre a importância do controle do tabagismo, mais de 180 países ratificaram, em 2005, a Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco. O tratado internacional descreve um conjunto de estratégias que incluem a redução da acessibilidade aos cigarros por meio de impostos, a aprovação de leis antifumo, a obrigatoriedade de advertências de saúde nas embalagens e a proibição da publicidade, promoção e patrocínio do tabaco.
O estudo científico internacional aponta, porém, que, mais de 15 anos depois, permanece uma grande lacuna na implementação das estratégias para o controle do tabagismo, indicando a necessidade de aprovação de políticas que possam acelerar a redução da prevalência do uso do cigarro.
O artigo alerta que se intervenções no contexto de saúde pública não forem colocadas em prática, o número anual de mortes e de doenças associadas ao tabagismo que levam à incapacidade poderá aumentar nas próximas décadas.