Durante décadas, uma doença do fígado que matava lentamente a pessoa infectada sequer teve um nome, quanto mais um tratamento eficaz.
Agora, um novo comprimido que promete curar a maioria dos casos da tal doença - mais tarde batizada de hepatite C - está sendo considerado o maior lançamento de um medicamento da história e vai catapultar sua fabricante, a Gilead Sciences Inc., para a lista das empresas farmacêuticas de maior receita.
O comprimido, Sovaldi (cujo nome genérico é sofosbuvir) já registrou vendas de US$ 3,5 bilhões no segundo trimestre, informou a Gilead.
Ao entrar no lucrativo setor do tratamento da hepatite C, a empresa da Califórnia praticamente dobrou sua expectativa de faturamento proveniente de vendas líquidas de produtos este ano, para algo entre US$ 21 bilhões e US$ 23 bilhões.
Isso colocaria a Gilead, mais conhecida por suas drogas para tratar a Aids, ao lado da desbravadora da biotecnologia Amgen Inc. e da pioneira da insulina Eli Lilly & Co.
Ao entrar para as grandes ligas da indústria farmacêutica, a Gilead passa a ser alvo de uma avaliação pública mais ampla. O preço do Sovaldi, que nos Estados Unidos é de cerca de US$ 1.000 por dia para um tratamento de 12 semanas, foi criticado por políticos e executivos de seguros de saúde que dizem que o sistema não pode arcar com tratamentos tão caros.
A Gilead se defende exibindo a eficácia do remédio: estudos mostram que ele cura nove em cada dez pacientes, evitando gastos mais onerosos, como transplantes de fígado. A firma afirmou numa teleconferência com analistas que 9.000 pacientes já foram curados pelo Sovaldi desde que ele começou a ser vendido.
A Gilead informou que agências do Medicaid, o programa de saúde do governo americano para a população de baixa renda, de 47 Estados estão cobrindo o custo do Sovaldi, embora só após o tratamento ser autorizado pela agência para cada paciente. Os três Estados americanos restantes estão decidindo se o remédio será reembolsado.
No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária ainda não aprovou o registro do Sovaldi, passo necessário para que ele possa entrar na lista de medicamentos do Sistema Único de Saúde (SUS). Enquanto isso, vários pacientes estão movendo ações na Justiça para que a importação do remédio seja coberta por operadoras de seguros médicos. Só o escritório do advogado paulista Elton Fernandes, especialiazado em questões de saúde, está trabalhando em dez casos desse tipo. Segundo Fernandes, já há vitórias legais, com a Justiça de São Paulo concedendo uma liminar determinando que uma operadora de planos de saúde custeie o tratamento de clientes. "Vamos fazer pressão para acelerar a aprovação [do remédio]. Os pacientes, principalmente os que têm cirrose, não têm tempo para esperar", diz Fernandes.
A Gilead já havia enfrentado críticas de pacientes e seguradoras em relação ao preço de seu tratamento contra a Aids.
Os desafios comerciais também abundam para a Gilead, que registrou lucro de US$ 3,66 bilhões no segundo trimestre. Farmacêuticas como a AbbVie Inc., Bristol-Myers Squibb Co. e a Merck & Co. (conhecida como MSD fora dos EUA) também trabalham em novas drogas para competir com a Gilead. Uma concorrente pode ter vantagem, dizem analistas, se desenvolver tratamentos que funcionem em menos tempo que as 12 semanas do Sovaldi. Além disso, empresas que incluem a AbbVie e a Roche Holding AG estão disputando com a Gilead direitos de patentes valiosas vinculadas ao Sovaldi.
Analistas estimam que o Sovaldi deve ultrapassar US$ 10 bilhões em vendas este ano, tornando-se um dos remédios mais vendidos no mundo.
Aprovado em dezembro pela Food and Drug Administration (FDA), a agência americana que controla os alimentos e medicamentos, o Sovaldi está ultrapassando velozmente as vendas do Incivek, da Vertex Pharmaceuticals Inc., um medicamento anterior para a hepatite C.
As vendas podem ser ainda maiores se a Gilead conseguir a aprovação de outro comprimido contra a hepatite C, que deve ser combinado com o Sovaldi para formar o primeiro tratamento totalmente oral, uma opção mais fácil e desejada pelos pacientes. A farmacêutica informa que vê sinais de que muitos pacientes estão esperando esse novo remédio para começar o tratamento.
A avaliação do segundo comprimido, o ledipasvir, pela FDA está "indo muito bem", diz Norbert Bischofberger, diretor de pesquisa e desenvolvimento da Gilead. O prazo para aprovação é 10 de outubro.
O diretor operacional da Gilead, John Milligan, disse esperar que as seguradoras "se preparem" para uma potencial aprovação do ledipasvir. Ele atribuiu as críticas dos seguradores sobre o preço do Sovaldi ao alto grau de utilização do remédio, que os planos de saúde não esperavam.
Outro executivo da Gilead, Paul Carter, sugeriu que a empresa pode talvez não dar ao ledipasvir um preço tão alto como o do Sovaldi, dizendo que "a maior parte do valor" da combinação estará no Sovaldi. Outros executivos dizem que é muito cedo para especular sobre preços.
A Gilead não incluiu em suas perspectivas de vendas uma nova droga para leucemia, que o FDA acaba de aprovar. Analistas estimam que o remédio, Zydelig, poderá gerar US$ 1 bilhão em vendas em 2017.
(Colaboraram Tess Stynes e Di Pinheiro.)
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