Diante da falta de uma diretriz nacional, especialistas têm se reunido para estabelecer padrões que possam ser adotados no País, com técnicas para melhorar força e resistência, trabalhar a atenção e regularizar o sono.
Neste mês, a Associação Brasileira de Medicina Física e Reabilitação (ABMFR) fez a primeira reunião e pretende ter um documento finalizado ainda este mês. A Rede de Reabilitação Lucy Montoro, em São Paulo, também está construindo um plano para a rede municipal de saúde, que poderá ser compartilhado com outras localidades.
A base dos protocolos, segundo os especialistas, é o mapeamento das sequelas deixadas pelo vírus e o trabalho multidisciplinar. "No mundo inteiro, estamos tentando traçar reabilitação especializada com técnicas conhecidas em poliomielite e em pacientes que ficaram muito tempo em UTI, uma diretriz com a experiência de cada serviço e baseado também em estudos europeus e americanos.
A OMS (Organização Mundial deSaúde) já divulgou normas. Sabemos que dois terços dos pacientes que passaram por UTI por covid-19 precisam de alguma reabilitação", explica o fisiatra Eduardo de Melo Carvalho Rocha, presidente da ABMFR.
A falta de um protocolo nacional foi discutida em um evento promovido pela Associação Nacional de Medicina (ANM) neste mês.
"A covid-19, aqui no Brasil, mostra uma incrível falta de planejamento e estratégia. Não houve preparação para as vacinas, para os insumos, como oxigênio, para leitos e, agora, não está tendo preparação para o grande número de pacientes pós-covid", critica Rubens Belfort, presidente da ANM.
"Assim como a gente viu a necessidade de médicos intensivistas, a reabilitação vai ser uma das demandas futuras", afirma Rocha. Depois de pronto, a meta é enviar o documento que está sendo elaborado para a Associação Médica Brasileira (AMB), para sua distribuição para médicos de diferentes especialidades.
O fisiatra diz que o tratamento varia de acordo com o caso, mas pode demorar ao menos três meses se uma pessoa teve os movimentos afetados pela doença e precisa voltar a andar, por exemplo. "Nesta segunda onda, não tem mais faixa etária, qualquer adulto pode ser grupo de risco."
Diretora científica da ABMFR, Pérola Grinberg Plapler diz que, neste momento, especialistas de diferentes hospitais estão respondendo questionários sobre as sequelas pós-covid. "Estamos desenhando um protocolo para orientar as UBSs (Unidades Básicas de Saúde) do Brasil inteiro."
Embora já atue na área, a Rede de Reabilitação Lucy Montoro também está criando um protocolo. "Vimos pacientes que saíram vivos, mas com alterações sistêmicas. Sabíamos, pela experiência de outros países, que não eram só questões pulmonares, mas alterações no sistema nervoso central e no periférico, desde uma paralisia mais leve até uma dor que é limitante nesses pacientes, esquecimento, ansiedade que interfere no tratamento, porque ele não tem concentração para fazer exercício.
Há perda da qualidade do sono, o que interfere na resposta motora e cognitiva no restante do dia. Então, não dá para pensar no paciente pós-covid como uma pessoa que quebrou a perna", diz Linamara Rizzo Battistella, fisiatra e presidente do conselho diretor do Instituto de Medicina Física e Reabilitação da rede.
Desde as primeiras altas de pessoas internadas por longos períodos, a rede já atendeu mais de 720 pacientes. "Temos uma métrica com escalas que medem sono, força muscular, facilidade na alimentação, medidas claras para desempenho na marcha, enxergar obstáculos, da parte respiratória e medida de saturação do oxigênio."
Rede pública
Em nota, o Ministério da Saúde informou que o SUS conta com 266 Centros Especializados em Reabilitação Física e Intelectual (CER) em 26 Estados e faz o repasse de cerca de R$ 50 milhões por mês para a manutenção dos serviços.
Em novembro, a pasta lançou o projeto Reab, para recuperação de pacientes pós-covid em cinco hospitais do SUS - Municipal de Contagem (MG), de Palmas (TO), Base de Brasília (DF), Geral de Fortaleza (CE) e Geral do Trabalhador (PR). "O Reab apresentou um aumento de 26% na evolução dos pacientes em relação à independência motora e funcional." Outros dez hospitais públicos devem receber a iniciativa este ano.
?Parece um bebê que está aprendendo tudo?
Pediatra e nefrologista infantil, Jaqueline Mello, de 47 anos, estava na linha de frente quando foi infectada em janeiro. Ao todo, ficou 73 dias internada, 51 na UTI. Precisou fazer hemodiálise, pois teve falência renal e sepse. Ela deu entrada na rede de reabilitação Humana Magna dependendo de oxigênio, mas já respirava sozinha 12 dias depois. Dia após dia, foi vencendo desafios. "Saí com dificuldade de movimentação. Mexia só a mão direita. Com a reabilitação é que estou voltando a ter mobilidade para conseguir comer, tomar água. Meu objetivo é sair daqui de pé."
Jaqueline ainda tem de aprender a realizar algumas atividades, com a ajuda da família e da equipe médica. "O banho no chuveiro é uma maratona, porque ainda é na cadeira de rodas. Fiz traqueostomia e usei sonda nasogástrica, então, teve o tempo para tirar e voltar a me alimentar gradativamente. Tive de reaprender a fazer xixi. Parece um bebê que está aprendendo tudo, mas estou conseguindo ganhar a cada dia uma coisa melhor. É difícil, é doloroso, é cansativo, mas, com paciência e persistência, vou conseguir."
Intubado
O ajudante-geral Sérgio Xavier Pereira, de 39 anos, teve covid-19 em maio do ano passado e ficou 16 dias intubado. Após mais de dez dias na enfermaria do Hospital das Clínicas, ele foi encaminhado para a Rede Lucy Montoro. "Não conseguia me mexer, me levantar, pouca mobilidade nos braços e nas pernas. Saí com escara nas costas, barriga, nos pés e na cabeça, mas foi operada. Fiquei com cicatrizes."
Entre novembro e dezembro, ele precisou voltar à reabilitação. "No fim do ano passado, fui internado de novo para fazer reabilitação, meu pé direito está caído. Fiquei mais 14 dias. Estou me locomovendo com ajuda de órtese e muleta, os médicos não sabem se vai recuperar. Não sinto o meu pé."
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.