A campanha a favor da quebra de patentes de vacinas contra a covid-19 se fortaleceu na quarta-feira, 5, após a embaixadora do Comércio dos EUA, Katherine Tai, anunciar que o país apoiará uma proposta de suspensão de direitos de propriedade intelectual sobre os imunizantes.
A quebra de patente, que no Brasil tem legalmente o nome de licença compulsória, ocorre quando o Estado autoriza que terceiros explorem e comercializem um produto desenvolvido por outrem. Com ela, empresas em todo o mundo poderiam produzir vacinas desenvolvidas por laboratórios como Pfizer e Moderna, aumentando a oferta de injeções a nível mundial e facilitando o acesso de países pobres aos imunizantes.
Quais são os argumentos a favor da quebra de patentes?
Cerca de 100 países, liderados pela Índia e África do Sul, veem na quebra temporária de patentes uma esperança para acelerar a vacinação em todo o mundo. A revista Nature estima que seriam necessárias cerca de 11 bilhões de doses de vacina contra a covid-19 para imunizar 70% da população mundial, patamar em que acredita-se ser possível pôr fim à pandemia. Dessas, cerca de 8 6 bilhões já foram encomendadas. A maior parte dessas doses, no entanto, está destinada a países de renda média e alta, enquanto as nações mais pobres, que correspondem a 80% da população mundial, têm acesso a menos de um terço das vacinas disponíveis. O nacionalismo da vacina, a falta de insumos e a dificuldade de produzir vacinas em tão larga escala estão entre os motivos deste desequilíbrio.
A quebra de patentes, argumentam seus defensores, permitiria fabricação e fornecimento mais uniformes, contrariando as expectativas atuais de que os países mais pobres levem anos para vacinar suas populações inteiras.
Outro argumento é a proteção fornecida pelas patentes foi projetada para evitar concorrência desleal, não para ser usada durante emergências globais como guerras e pandemias.
Quem se opõe?
A indústria farmacêutica e nações mais ricas, algumas das quais sediam laboratórios que teriam suas patentes quebradas, são contrárias ao movimento. Elas argumentam que a licença compulsória não necessariamente aceleraria a fabricação ou o fornecimento de imunizantes, uma vez que não se sabe qual seria a capacidade de produção sobressalente no mundo. Além disso, elas argumentam que a instalação de fábricas, o treinamento de pessoas e a aprovação de leis relacionadas, etapas essenciais para o início da fabricação, poderiam levar muito tempo.
Além disso, os oponentes da quebra de patentes argumentam que já apoiam o programa COVAX, da OMS, que destina vacinas aos países mais pobres.
Há um precedente para a quebra de patentes?
Há 50 anos, a vacina contra a gripe vem sendo produzida com base em compartilhamento de conhecimentos. Especialistas de todo o mundo se reúnem duas vezes por ano para analisar e discutir os dados mais recentes sobre cepas do vírus e vacinas em encontros do Sistema Global de Vigilância e Resposta à Influenza, da Organização Mundial da Saúde. O Sistema tem uma rede de laboratórios distribuídos em 110 países e financiados por governos e fundações.
À revista Nature, o pesquisador da Universidade de Leeds Graham Dutfield afirmou que, durante a Segunda Guerra Mundial, o governo dos EUA incentivou a colaboração entre empresas e universidades para aumentar a produção de penicilina, o que de fato aconteceu, sem processos por violação de patentes e sem a prática de preços exorbitantes.
Outras abordagens, como o pool de patentes (consórcio de ao menos duas empresas que concordam em cruzar licenças de patentes relacionadas a uma determinada tecnologia) vêm sendo utilizadas pela OMS para aumentar o acesso a tratamentos para HIV, hepatite C e tuberculose, por exemplo.
Onde e quando a questão será debatida?
Países membros da Organização Mundial do Comércio (OMC) apresentarão e negociarão um texto sobre o assunto. Uma reunião formal sobre o assunto está marcada para os dias 8 e 9 de junho. As decisões da OMC são normalmente alcançadas por consenso.