O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) praticamente definiu ontem, por maioria de votos, que incide contribuição previdenciária sobre bolsas de estudos pagas a funcionários e planos de saúde e odontológicos oferecidos a seus dependentes. O resultado só não foi proclamado porque, depois de iniciada uma discussão sobre a tributação de previdência privada, dois conselheiros decidiram pedir vista de todos os processos, que envolvem autuações fiscais contra a Bunge Alimentos no valor de R$ 20 milhões.
Os processos administrativos foram analisados pela 1ª Turma da 4ª Câmara da 2ª Seção do Carf. Para o advogado que representa a Bunge, Arno Schmidt Junior, do Arno e Schmidt Advogados Associados, se confirmado, o entendimento desfavorável ao contribuinte poderá desestimular as companhias a conceder benefícios aos funcionários. "Nem todas as empresas vão querer arcar com esses custos", diz.
No caso dos planos de saúde e odontológico, cinco conselheiros entenderam que a isenção tributária abrange apenas os empregados, não podendo ser estendida aos dependentes, como filhos ou cônjuge. Apenas o presidente da turma, conselheiro Elias Sampaio Freire, divergiu. "Ao meu ver, o dispositivo legal não limita a assistência médica apenas aos empregados", afirmou durante o julgamento.
O tema está previsto na Lei nº 8.212, de 1991, que regulamenta a Seguridade Social. Em seu artigo 28, a norma afirma que não tem caráter salarial o valor pago por serviços médicos ou odontológicos, "desde que a cobertura abranja a totalidade dos empregados e dirigentes da empresa".
Outra questão polêmica discutida durante a sessão de ontem foi a da previdência complementar paga para parte dos funcionários. De acordo com dados apresentados durante o julgamento, após o período de experiência de três meses, parte dos empregados com salários mais altos da Bunge Alimentos teriam direito ao benefício.
Para a Fazenda Nacional, o fato de o benefício não abranger todos os funcionários faz com que o tributo seja devido. Na época em que foram lavradas as autuações, a fiscalização apontou que, em 2005, menos de 20% dos funcionários tinham direito à previdência complementar.
Até agora, três dos seis conselheiros entenderam que a diferenciação seria regular, o que impediria a tributação. Para eles, seria legítimo conceder uma opção aos funcionários cujos salários são superiores ao teto pago pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Isso porque, caso tivessem acesso apenas à seguridade social, esses trabalhadores receberiam uma aposentadoria muito baixa em relação aos salários auferidos na ativa. "A finalidade [da previdência complementar] é complementar a renda dos funcionários que ganham acima do teto", afirma Schmidt Junior.
Em relação às bolsas de estudo, a Bunge foi autuada por não recolher a contribuição previdenciária sobre gastos com cursos de graduação e especialização oferecidos aos funcionários com mais de um ano de atividade. Até agora, com um placar de quatro votos a dois, a maioria dos conselheiros acatou as alegações da Fazenda Nacional.
Novamente, o Fisco argumenta que a isenção do tributo só seria possível se o benefício da bolsa pudesse ser usufruído por todos os empregados da companhia. No caso, como havia um prazo de carência de um ano, os conselheiros entenderam que a contribuição seria devida.
Outra questão considerada foi o fato de, na época em que a empresa foi autuada, existir a necessidade de extensão do benefício a todos os funcionários era prevista na Lei nº 8.212. Somente em 2011, a norma foi alterada para excluir essa necessidade.
Os casos deverão voltar à pauta do conselho no próximo mês. De acordo com o advogado Caio Taniguchi Marques, do escritório Aidar SBZ Advogados, autuações relacionadas aos três pontos tratados nos processos são comuns, e o entendimento do Carf, na maioria dos casos, tem seguido a linha adotada pelos conselheiros ontem. "Toda a empresa em sua política de benefícios vai ter pelo menos um desses três benefícios", afirma.
Marques afirma ainda que, em relação ao plano de saúde dos dependentes, muitos contribuintes têm ganhado a questão no Judiciário. "Já vi decisões de primeira e segunda instâncias favoráveis", diz.
Além dos pontos tratados no processo da Bunge, o advogado Leandro Cabral e Silva, do Velloza e Girotto Advogados, diz que tem recebido casos relacionados à cobrança de contribuição previdenciária sobre bolsa-auxílio de estagiários. Segundo ele, até documentos como relatórios dos próprios estagiários e frequência na universidade são requeridos pelo fiscal para investigar se está caracterizado o vínculo empregatício.
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