Diversos serviços de saúde já estão a alguns cliques para acessá-los. Já existem aplicativos que permitem agendar consultas, acessar resultados de exames e até realizar teleconsultas com um médico. A Internet tem se tornado cada vez mais uma aliada para aproximar os pacientes dos profissionais de saúde. A saúde digital tem sido relevante na transformação digital da jornada do paciente, Isto inclui a prevenção, triagem, atendimento e acompanhamento do tratamento.
O uso da tecnologia digital tem criado ferramentas poderosas que permitem tanto a melhoria do acesso escalonado aos serviços de saúde quanto a otimização dos recursos pelos gestores. Contudo, para os profissionais de saúde, existe a demanda por adaptação a diferentes sistemas e constantes mudanças de rotina causadas pelo emprego de diferentes tecnologias e interfaces que podem acabar consumindo tempo excessivo. Além disso, existem limitações pelo fato da população possuir um alto número de analfabetos funcionais e um grande número de pessoas que não dominam a linguagem digital e não possuem habilidades para interagir com esses sistemas digitais.
Desse modo, o desenvolvimento de serviços de saúde que facilitem a interação com o usuário por meio do uso de linguagem natural (voz e escrita) tem se tornado cada vez mais importante. A linguagem natural é utilizada para transmitir informações e engloba vários recursos semânticos. As línguas não seguem um conjunto estrito de regras, possuem ambiguidade, gírias e estão sempre evoluindo. Apesar de todas essas características é de fácil compreensão para os humanos, enquanto pode ser muito difícil para computadores.
Algumas áreas da inteligência artificial (IA), como aprendizado de máquina e processamento de linguagem natural, têm desenvolvido algoritmos para compreender linguagens humanas. Os healthbots, como são chamados, são uma resposta para este tipo de aplicação na área de saúde. Nos dias atuais já existem diversos exemplos de assistentes virtuais de uso geral (Ok Google, Siri e Alexa) que nos ajudam a obter desde a previsão do tempo até a melhor rota para fugir de um trânsito intenso. Um fator importante para uma maior adoção dessas tecnologias é a ubiquidade. Quanto maior a integração dos dados entre dispositivos (celulares, computadores, carros, casas inteligentes, câmeras, etc) maior a possibilidade das pessoas falarem com um computador que as conheça, e sejam capazes de realizar tarefas sem complicações. A Amazon tem buscado o máximo de ubiquidade com a Alexa a qual já interage com mais de 50 dispositivos, sendo uma grande aposta para um serviço de computação onipresente.
No ambiente empresarial, agentes inteligentes têm sido cada vez mais utilizados para facilitar o atendimento dos usuários tanto por telefone quanto pela Internet, como as chatbots Lu (Magazine Luiza) e BIA (Bradesco). No setor público é possível citar a chatbot Nanda que auxilia nas inscrições do ENEM. Na área da saúde já existem iniciativas como a chatbot Ana, desenvolvida pelo Centro de Telessaúde do Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais e das chatbots desenvolvidas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e por algumas secretarias de saúde no Brasil para o combate à Covid-19. Outro exemplo de aplicação é a chatbot Woebot, desenvolvido pela Universidade de Stanford, que oferece uma série de serviços na área de saúde mental para jovens adultos, adolescentes e para mães no período pós-parto. Atualmente no Brasil, existem pesquisas com chatbots em diversas universidades federais com variados temas que vão desde alertas sobre a Covid-19, passando por informações sobre vacinas e tratamento de feridas, até educação em saúde, entre outros.
Vantagens
A adoção dos healthbots traz consigo diversas vantagens como o aumento dos acessos às plataformas digitais de saúde por grande parte da população, não importando o dispositivo, seja ele um computador, tablet ou telefone celular. Por exemplo, o acesso a um chatbot pode ser realizado por um número de telefone ou link, não necessitando que o usuário instale um aplicativo. Além disso, o uso de chatbot promove a acessibilidade uma vez que pode ser projetado de modo a não exigir que o usuário tenha que adquirir novas habilidades e competências para ter acesso ao serviço. O uso de IA possibilita criar interações que podem prover informações que levem a tratamentos mais personalizados do paciente por meio de teletriagens mais sofisticadas. Além disso, com o emprego de IA, é possível construir os voicebots, e com isto, aumentar essas vantagens, pois permite o acesso de uma população que tem dificuldade na comunicação escrita. O uso da voz pode ser utilizado também para detectar nuances da comunicação humana cuja escrita é limitada. Como exemplo, a frase “que bonito!” pode ser tanto um elogio como uma repreensão dependendo da maneira como é pronunciada a entonação.
Com a interação por voz é possível detectar, inclusive, o estado emocional do paciente, e com isso, construir estratégias para melhorar os indicadores de adesão e aderência ao tratamento ou procedimento de prevenção. Além disso, o uso de características extraídas dos sinais de voz pode ser utilizado como biomarcadores na detecção de distúrbios neurológicos e respiratórios. Cabe destacar o emprego da computação afetiva, onde além dos sinais de fala, outros biossinais (eletrocardiograma, eletroencefalograma, condutividade da pele, eletromiograma, entre outros) podem ser utilizados para aplicações na área da saúde. Contudo, os algoritmos precisarão adaptar-se a uma linguagem coloquial com erros de grafia (causada pela rápida digitação ou falta de conhecimento de regras gramaticais, etc), gírias, ambiguidades. Esse desafio se estende para a fala, a qual engloba fatores ainda mais complexos, como o tom de voz, respiração, que podem expressar sentimentos e influenciar na compreensão de sinais emocionais. Diálogos complexos entre máquina e humano também levarão um tempo para se tornarem comuns. Mesmo as chatbots ganhadores do Loebner Prize (competição de IA que realiza interação inspirada no teste de Turing) ainda apresentam falhas de comunicação e podem ser reconhecidas como “máquinas”.
Como tendência, são observadas várias oportunidades para empresas e centros de pesquisas de diversas áreas do conhecimento, uma vez que as tecnologias possuem caráter interdisciplinar. Destacamos a necessidade do desenvolvimento das plataformas para o português brasileiro, inclusive, levando em conta as especificidades de cada grupo populacional e região do país. Contudo, deve-se atentar para o controle da eficiência e eficácia das soluções ofertadas à população, assim como, é realizado com medicamentos, terapias e demais serviços na área da saúde. Devem ser elaborados protocolos de testes clínicos e formas de se fiscalizar o uso dos serviços propostos. Além disso, os profissionais da saúde devem receber formação para prescreverem e utilizarem as novas tecnologias. Os desenvolvedores de healthbots devem atentar para a segurança, envolvendo a integridade mental e física do usuário. Além disso, promover formas de não comprometer a privacidade do usuário e assegurar a segurança dos dados conforme a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Deve-se trabalhar com o reconhecimento de dados confidenciais, como informações de identificação pessoal, monitoramento de seu uso, geração de alertas quando certos dados estão sendo mal-empregados, etc. A segurança cibernética se tornou uma prioridade.
Com relação ao uso de IA, devem-se combater os vieses algorítmicos, isto é, o privilégio ou discriminação de determinados grupos de usuários. Isso é importante no Brasil, visto que esses algoritmos deverão atender as necessidades de uma população que possui uma forte personalização regional. Assim, é importante desenvolver, inicialmente, soluções específicas para cada grupo de usuário. Deve-se tomar cuidado para que os algoritmos utilizados não reforcem os preconceitos sociais (por exemplo, o preconceito de gênero) que estão presentes nos dados, já que a língua possui gênero gramatical. Atualmente, o movimento para uma “IA justa” tem tomado força e os pesquisadores têm focado nesse tema.
O uso dos healthbots no Brasil ainda está em seus primórdios, oferecendo diversas oportunidades para o pioneirismo na área. As possíveis soluções de serviços de saúde possuem alto potencial para melhorar a qualidade de vida de grande parte da população. Entende-se que o emprego de IA é fundamental para este movimento de inovação, como foi a 30 anos apoiando o processamento e a análise de imagens médicas. Por fim, é importante comentar que existem oportunidades para a transformação da comunicação entre homem e máquina e o desenvolvimento de novas tecnologias para os healthbot. Com as limitações impostas pela Covid-19, muitas propostas de aplicativos e algoritmos foram demandadas e existe uma forte tendência para a disseminação do seu uso ao longo dos próximos anos.
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*André Kazuo Takahata é professor da Universidade Federal do ABC (UFABC), Lilian Berton é professora da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e Antonio Valerio Netto é professor visitante no Departamento de Informática em Saúde da Escola Paulista de Medicina (EPM/UNIFESP)