Defendidas pelo presidente Jair Bolsonaro, drogas como a hidroxicloroquina e a ivermectina continuam sendo prescritas mesmo após estudos clínicos apontarem que não funcionam para a covid e autoridades de saúde como a Organização Mundial da Saúde (OMS) desaconselharem seu uso.
Embora a prescrição de remédios do chamado kit covid tenha o aval do Conselho Federal de Medicina (CFM), que defende o argumento da autonomia médica, os profissionais podem ser punidos se divulgarem as drogas como garantia de cura ou se o tratamento causar efeitos colaterais aos pacientes.
Ao menos quatro conselhos regionais de Medicina (CRMs) já investigam casos do tipo, segundo levantamento feito pelo Estadão com os 27 conselhos, que são os órgãos responsáveis por fiscalizar o exercício da profissão nos Estados.
Três deles informaram o número total de sindicâncias abertas. São Paulo investiga 25 casos. No Rio Grande do Sul, são dez registros. Na Bahia, outras oito. Ao menos em dois casos (em São Paulo e na Bahia), os médicos investigados já sofreram uma interdição cautelar - ou seja, tiveram a licença para exercer a medicina suspensa temporariamente.
No Rio Grande do Sul, quatro dos casos investigados tornaram-se públicos: dois referem-se a médicos que usaram a nebulização com cloroquina. Os episódios ocorreram nos municípios de Camaquã e Alecrim.
Um terceiro caso é de um profissional de São Gabriel que divulgou vídeo no qual apresentava a droga flutamida, normalmente receitada para o tratamento do câncer de próstata, como cura da covid. O quarto procedimento também investiga um médico que vem publicando em suas redes sociais supostos protocolos de "tratamento precoce".
O conselho do Paraná também afirmou apurar possíveis irregularidades na indicação de falsos tratamentos, mas não informou o número total de procedimentos instaurados até agora. O órgão disse que não há sindicâncias abertas de casos em que o tratamento prescrito tenha causado danos, mas que apura possíveis infrações na publicidade médica de terapias para a covid. Outros cinco CRMs (Alagoas, Espírito Santo, Goiás, Rio de Janeiro e Tocantins) disseram não ter nenhuma sindicância aberta sobre o tema. Os demais conselhos não responderam.
O número de possíveis infrações cometidas pode ser ainda maior uma vez que, entre os médicos adeptos do chamado "tratamento precoce", há inúmeras postagens apresentando a terapia como cura garantida - o que é vetado pelo CFM.
Segundo Edoardo Vattimo, coordenador de Comunicação do Conselho Regional de Medicina paulista, a maioria das sindicâncias abertas por ele tem como alvo médicos que fizeram propagandas indevidas do suposto tratamento precoce contra a covid. "A prescrição desses remédios não leva a sindicância porque o parecer do CFM diz que isso é permitido. O que a gente investiga são situações em que são feitas promessas de resultados, garantia de cura, sensacionalismo", explica ele.
Há também casos mais raros como o de uma médica que foi proibida temporariamente de exercer a Medicina por estar prescrevendo um suposto soro que curava a covid. A interdição dura até que o caso seja investigado e julgado pelo conselho.
Vattimo explica que a fase de sindicância é o período de investigação preliminar e de coleta dos depoimentos de todas as partes envolvidas. Só depois dessa apuração é que o conselho decide se arquiva a denúncia ou se a transforma em um processo ético disciplinar, que pode levar a punições. Essas podem variar de uma advertência à cassação do registro do médico.