Aumento de peso, diminuição na prática de atividade física, elevação no consumo de bebidas alcoólicas e tabaco, além de maior percepção de estresse. Esses são alguns dos impactos da pandemia na vida do brasileiro desde que o novo coronavírus chegou ao país. Comprovadas por estudos, essas alterações em pilares da saúde estão afetando nosso bem-estar e, consequentemente, o nosso organismo como um todo.
Para Zeliete Zambon, presidente da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC), o impacto psicológico causado pelo medo do vírus e pela instabilidade política e econômica, somado às dificuldades dos relacionamentos no confinamento e às mudanças que todos tiveram que fazer do dia para a noite, causam um efeito cascata sobre a saúde. E os sinais desses efeitos podem ser observados em várias partes do corpo.
“O distanciamento social teve um impacto negativo na saúde mental e no estilo de vida dos brasileiros, com aumento do sentimento de ansiedade, tristeza ou depressão”, afirma a nutricionista Crizian Saar Gomes, pós-doutoranda no programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pesquisadora do estudo ConVid, pesquisa de comportamento conduzida pela Fundação Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz) em parceria com a UFMG e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que investigou como as restrições impostas pela pandemia afetou a vida dos brasileiros.
O inquérito, que avaliou 44 mil brasileiros adultos, mostrou que 40,4% dos participantes se sentiram frequentemente tristes ou deprimidos; e 52,6%, ansiosos ou nervosos. Esses sentimentos revelaram-se mais frequentes nas mulheres, entre adultos jovens e pessoas com antecedente de depressão.
Já o consumo de bebidas alcóolicas se elevou para 17,6% dos participantes. O aumento foi maior em adultos de 18 a 39 anos (21,4%) e entre aqueles com maior nível de escolaridade (26%).
O levantamento revelou ainda que 43,5% dos brasileiros relataram início de problemas de sono durante a pandemia, e 48% tiveram dificuldades de sono agravadas. As alterações foram mais presentes entre adultos jovens, mulheres e pessoas com antecedente de depressão.
Os sonhos dos brasileiros confirmam o estado de sofrimento mental. Um estudo do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, publicado no periódico Plos One, avaliou sonhos de 67 pessoas antes e durante a pandemia. As análises revelam maior proporção de palavras ligadas à “raiva”, “tristeza”, “contaminação” e “limpeza” depois que o isolamento social começou.
“Tivemos uma piora significativa nos comportamentos de risco à saúde e no estado de ânimo da população brasileira. Essas mudanças são preocupantes e podem resultar em danos à saúde individual e coletiva a médio e longo prazo”, atesta Crizian Saar Gomes.
Com a adoção do home office, pessoas que trabalham em escritório trocaram locais ergonomicamente projetados para proteger a coluna pela mesa da cozinha, o sofá ou a cama. Cenário perfeito para dores nas costas, na lombar e no pescoço, além de lesões no punho.
O problema fica ainda mais preocupante considerando que os brasileiros estão se exercitando menos do que antes da pandemia. De acordo com o estudo do Ipsos Global Advisor, com 22 mil pessoas em 30 países, entre outubro e novembro de 2020, enquanto no mundo a redução de atividade física foi de 23%, por aqui a baixa chegou a 29%.
No ranking mundial, o Brasil fica em quarto lugar, atrás apenas de Chile, Bélgica e Itália. O sedentarismo é um dos maiores inimigos da saúde ortopédica. “A inatividade física, somada ao estresse, pode causar dores e doenças”, ressalta a médica de família e comunidade Zeliete Zambon
O brasileiro foi quem mais ganhou peso na pandemia, segundo o levantamento do Ipsos Global Advisor. Enquanto na média global 31% dos indivíduos engordaram, no Brasil o índice atingiu 52% da população.
O peso do brasileiro não começou a crescer agora. Desde 2006, quando o Ministério da Saúde iniciou o sistema de Vigilância de Fatores de Risco para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), a obesidade saltou de 11,8 para 20,3%, no dado mais recente, referente a 2019. Ao considerar o excesso de peso, a elevação foi de 42,6% para 55,4%.
Para a endocrinologista Maria Edna Melo, presidente do Departamento de Obesidade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, a próxima pesquisa Vigitel, com dados referentes a 2020, deverá apontar um crescimento ainda mais expressivo que o dos últimos anos.
O aumento de peso, segundo a médica, se deve a um tripé: estresse nas alturas, consumo de comidas calóricas e pouco exercício. De acordo com o Estudo Nutrinet Brasil, pessoas com menos escolaridade no Norte e no Nordeste do país passaram a consumir mais alimentos ultraprocessados.
Maria Edna Melo explica que o estresse eleva a produção de cortisol, um hormônio que altera a regulação do apetite. A pessoa sente mais fome por alimentos hiperpalatáveis, com muita gordura, açúcar ou sal. “Essas texturas fazem com que a gente tenha dificuldade de parar de comer”, diz.
O aumento de peso costuma afetar alguns parâmetros metabólicos, como hipertensão, diabetes, colesterol e triglicérides. “Ainda não temos dados sobre esse impacto, mas a tendência é de que quem tinha uma doença crônica piore e de quem não tinha possa apresentar”, afirma a endocrinologista.
“Temos notado um maior número de internações por infarto e AVC. Pode ser por causa da Covid-19, porque ela forma trombos, mas também porque as pessoas sabidamente hipertensas e diabéticas estão com as doenças descompensadas”, afirma a médica Zeliete Zambon.
O estudo ConVid também mostrou piora em relação ao tabagismo, fator de risco para doenças cardiovasculares: 34% dos fumantes relataram ter aumentado o consumo de cigarros. O crescimento foi maior entre as mulheres e aqueles com ensino médio incompleto.
“Pessoas com doenças crônicas estão deixando de procurar serviços de saúde, por medo do vírus. Sem controle, diabetes e hipertensão podem causar infarto, AVC e cegueira”, diz Zeliete Zambon. “Essas doenças podem ser acompanhadas por telemedicina. É fundamental que as pessoas não abandonem os seus tratamentos.”
A saúde bucal está pior. Uma pesquisa da American Dental Association realizada em fevereiro revelou que mais de 70% dos quase 2.300 dentistas americanos entrevistados relataram um aumento no ranger e no apertamento dos dentes entre seus pacientes na pandemia. São condições frequentemente associadas ao estresse.
Embora não haja dados científicos sobre o problema no Brasil, a percepção se confirma por aqui. “O maior impacto é causado pela ansiedade. O estresse que todo mundo está passando tem gerado mais desgaste e fratura nos dentes, mais apertamento e, com isso, dores de cabeça. É um fenômeno que vinha crescendo, mas se acelerou com a pandemia”, afirma a dentista Ana Cecilia Aranha, professora livre docente da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo.
Segundo Ana Cecilia Aranha, o número de cáries também aumentou. “As pessoas passam mais tempo em casa, com uma dieta menos regrada e maior consumo de açúcar e carboidratos”, aponta.
O maior problema, porém, é que muitos pacientes abandonaram o tratamento e resistem a buscar um profissional por medo. “Os dentistas são treinados para evitar contaminações. O risco de contrair uma doença no consultório é baixíssimo.
Nos próximos meses e anos, muitos pacientes vão apresentar problemas sérios, porque não procuraram um dentista. A progressão das doenças odontológicas é rápida e, muitas vezes, irreversível. O melhor tratamento na odontologia é a prevenção”, diz a professora.
O aparecimento de acne na pele do rosto, decorrente do uso de máscara facial, ganhou até um apelido: "Maskne" (trocadilho com as palavras “máscara” e “acne” em inglês, que em tradução literal significa: a acne causada pela máscara).
Um estudo publicado no periódico científico Journal of the American Academy of Dermatology detectou um aumento de 83% nos casos de acne relacionada à máscara facial em profissionais de saúde de Hubei, na China.
O problema, já comum anteriormente em profissionais de saúde que precisam usar o acessório com frequência, com a pandemia, além de ficar mais prevalente nesse grupo, também passou a ser percebido na população em geral