A assistência médica universal é uma das grandes forças civilizadoras do mundo hoje em dia, simbolizando a solidariedade para com indivíduos ricos e pobres, enfermos e sadios, da cidade e do campo, idosos e jovens. Tive o privilégio de liderar um dos maiores sistemas de saúde pública do mundo, o NHS, Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido. Um sistema de saúde com financiamento de 100 bilhões de libras, que emprega 1,3 milhão de pessoas e desfruta de altos níveis de apoio público, o NHS é dedicado à prestação de amplo espectro de serviços à população, de utilização gratuita, e está particularmente focado em combater as desigualdades na saúde, buscando pessoas e grupos que têm dificuldade de acesso aos serviços. Não se trata de um modelo para todos os países, mas aprendemos nesses últimos anos de intensa reforma algumas lições importantes.
Nenhum setor, público ou privado, possui o monopólio de boas ideias ou capacidade de executá-las. Embora seja um sistema de saúde público, o NHS tem a colaboração, com muito êxito, do setor privado, desde a realização de testes diagnósticos até a prestação de serviços comunitários. Sei que esta é uma relação controversa, tanto em nosso próprio país quanto no Brasil. Um programa de fortalecimento da capacidade do setor público junto a acordos abrangentes com o setor privado é, a meu ver, a abordagem mais sensata - as forças combinadas podem fazer muito por nossos pacientes.
Nos últimos quatro anos, o NHS gerou uma economia de mais de 18 bilhões de libras em termos de eficiência; considerando-se que rentabilidade é essencial, quanto mais eficiência gerarmos, mais capazes teremos de prover um sistema universal. Líderes na área da saúde têm, ao mesmo tempo, um negócio e a responsabilidade moral de obter o máximo dos recursos financeiros disponibilizados, seja por meio do sistema fiscal ou de seguros. Sabemos que a melhoria da qualidade e a redução de custos podem andar de mãos dadas; clínicos e gerentes que trabalham em conjunto podem obter ótimos resultados.
Focado em combater as desigualdades na saúde, sistema inglês busca atender quem tem dificuldade de acesso
No desenvolvimento de programas de reforma, a qualidade deve ser o princípio organizador. Eficácia, segurança e experiência do paciente. Não um, mas todos esses três elementos devem constituir o núcleo do serviço prestado. De que outra maneira seria possível convencer pacientes, cidadãos e profissionais de saúde de que a reforma é o que deve ser feito, e de que outra maneira seria possível garantí-la quando se está planejando a melhor forma de incentivos para o sistema: incentivos que busquem a prevenção, diagnósticos precoces e foco nos resultados?
Inovar, inventar, difundir e adotar boas práticas é o que deve estar por trás da mudança, levando as organizações dos setores público e privado a colaborarem e firmarem parcerias. No NHS, esforçamo-nos para unir as organizações no intuito de acelerar a pesquisa e o desenvolvimento de ensaios clínicos. Essa colaboração não termina nas fronteiras do país; a questão da assistência médica é global, como fui lembrado recentemente ao conhecer um cirurgião brasileiro, especialista em fígado, que estudou em Birmingham antes de voltar ao Brasil para montar uma das mais bem-sucedidas unidades de transplante de fígado do mundo.
Reformas também significam, principalmente para organizações públicas, um compromisso muito maior com a transparência: resultados para profissionais de saúde, padrões de qualidade por ala e departamento, e informações sobre a utilização dos medicamentos mais eficazes devem ser disponibilizados regularmente para o público - e esse é apenas o começo. Também temos, em nosso sistema, sérios problemas de qualidade, e abertura e transparência são essenciais para garantir que essas questões sejam abordadas.
Parte da solução para os desafios enfrentados pelos sistemas de saúde em todo o mundo é o papel dos cidadãos - frequentemente as pessoas e os pacientes são vistos como recipientes passivos dos cuidados de saúde. Para alcançar a sustentabilidade nos sistemas de saúde no futuro, os cidadãos precisam ser orientados para ter maior controle de sua própria saúde e mesmo do sistema. Podemos fazer isso através do fornecimento de informações, educação do paciente, uso da tecnologia e de uma construção cuidadosa de incentivos. Prevenir é melhor para os pacientes: é mais econômico e aumenta as chances de assegurar a sustentabilidade.
As relações entre sistemas de saúde público e governo são sempre complexas. Políticos têm o direito legitimado, ou melhor, a responsabilidade de se envolver no processo de tomada de decisões, mas muitas vezes não possuem a capacidade de tomar decisões operacionais no que tange a um hospital. O governo atua melhor quando define a direção da assistência médica e elabora o sistema. A administração dos hospitais e serviços que este engloba deve ser feita por médicos, enfermeiros e administradores profissionais capacitados.
O futuro dos sistemas de assistência médica no mundo inteiro é desafiador e cheio de possibilidades. Melhorias na tecnologia hospitalar, as expectativas crescentes dos nossos pacientes e as ambições das nossas equipes médicas, bem como as restrições fiscais relativas à assistência médica, todas essas são questões que exigem decisões difíceis. Somente assim veremos expansão na assistência médica universal. Nós, no Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido, ficamos extremamente orgulhosos do papel da instituição na cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de Londres em 2012, que mostrou o lugar do sistema de saúde nos corações de nosso povo - talvez uma ambição para o sistema de saúde brasileiro seria a de estar no mesmo lugar em 2016.
Sir David Nicholson foi CEO do sistema de saúde britânico NHS
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