A indústria farmacêutica no Brasil passa por um período de saudável crescimento. Segmentos como o de biossimilares - medicamentos com preços mais acessíveis e similares a remédios biológicos cujas patentes expiraram - têm se fortalecido e demandado novas competências dos profissionais.
É um contexto de muitas mudanças, segundo Rodrigo Araújo, sócio-diretor da Korn/Ferry International, consultoria de recrutamento de executivos. "Vários fatores têm instituído novos players, caso das empresas de genéricos e biológicos [produzidos a partir de células vivos]". Contribuem para aquecer o setor o envelhecimento da população, que impulsiona o desenvolvimento de novos medicamentos e tratamentos, e a economia mais estável, que faz com que as pessoas tenham, por exemplo, mais acesso a planos de saúde. "Os convênios deixam de ser desejáveis e se tornam prioritários."
Na avaliação de Araújo, o cenário exige líderes capacitados para desafios mais próximos do mercado de consumo que do farmacêutico tradicional, uma vez que a disputa entre as marcas nos pontos de venda está bastante acirrada. "Para algumas posições, em áreas como finanças, RH e 'supply chain', o profissional não precisa vir necessariamente da indústria da saúde." Esses gestores precisam ter um pensamento menos linear, mais amplo, quase empreendedor, com o olhar focado no negócio, afirma ele.
Em paralelo, o flanco das oportunidades se abre fortemente também para especialistas em pesquisa e inovação, importantes no combate a doenças como câncer e artrite reumatoide.
A Healthcare, divisão da empresa de recrutamento Michael Page especializada em executivos para as indústrias farmacêuticas e de saúde, levantou que houve aumento de 30% na demanda por profissionais desses setores entre os primeiros trimestres de 2013 e 2014. Os salários se valorizaram em até 25% para níveis gerenciais. A alta, de acordo com a companhia, deve-se muito a vagas no segmento de medicamentos biológicos.
Na estruturação de sua área de biossimilares no Brasil, a Merck contratou Vera Valente como líder da divisão na América Latina. A executiva foi gerente geral de medicamentos genéricos da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Para ela, o novo desenho de carreira no ramo da biotecnologia se sustenta muito nas relações institucionais e governamentais.
"Esse setor tem uma regulamentação muito mais rigorosa. O governo é o grande comprador, são produtos de alto valor agregado pelos quais o consumidor comum não consegue pagar", explica. O profissional mais tradicional, segundo Vera, se baseava muito no marketing clássico de vendas para o setor privado. "Ele agora precisa ser multifacetado, entender da regulamentação técnica dos produtos e ao mesmo tempo ter mais habilidade no trânsito governamental."
A estratégia da Merck com relação ao desenvolvimento dos biossimilares é global. Na América Latina, o investimento prioritário é no Brasil, o que se dá, segundo Vera, porque o país é pioneiro na criação de um marco regulatório que segue moldes internacionais. A operação aqui vem sendo realizada em parceria com um player local, a farmacêutica Bionovis.
Gerente de assuntos regulatórios, por sinal, é um dos cargos que mais têm demandado pessoas, na percepção de Raphael Revert, gerente da Healthcare. Os salários mensais para a posição têm variado entre R$ 15 mil e R$ 25 mil. A formação desses executivos geralmente é em farmácia, biomedicina ou enfermagem. Diretores também são procurados, com remuneração na faixa de R$ 25 mil a R$ 50 mil por mês.
Também tem ganho destaque a função de gerente de acesso público-privado, profissional que faz pontes comerciais entre planos de saúde, governo e instituições hospitalares. "Ele tenta encaixar os produtos de sua empresa em cadastros de compra do governo e em hospitais", afirma Revert. Os salários ficam entre R$ 15 mil e R$ 25 mil.
Um novo cenário que requer adaptação a rápidas mudanças. Esse é o diagnóstico de Erika Pagani, diretora de marketing e vendas varejo da Pfizer, para o panorama atual da indústria farmacêutica. Ela conta que chegou à companhia há dez anos como coordenadora de inteligência de mercado, uma área mais analítica.
"Era uma empresa de genéricos. Em 2010 houve um grande salto com a criação de uma unidade de produtos estabelecidos [medicamentos sem proteção de patente ou que terão patente vencida até 2015]". Para a diretora de RH da Pfizer Brasil, Irene Shirai Camargo, o momento é de encurtar os ciclos de permanência em cada cargo, apostando mais em novos talentos e dando oportunidades para pessoas que têm potencial. "Estamos correndo mais riscos."
Desde janeiro, a empresa dividiu a comercialização global de seus produtos em três unidades: GEP (Negócios Globais de Produtos Estabelecidos), GIP (Negócios Globais de Produtos de Inovação) e VOC (Vacinas, Oncologia e Consumo). O objetivo é atender às necessidades de cada grupo com mais precisão.
Movimentações estruturais como essa nas corporações são outros fatores que contribuem para o surgimento de novas oportunidades de trabalho. A Novartis, por exemplo, anunciou em abril a compra da divisão de oncologia da Glaxo, para a qual realiza a venda de sua unidade de vacinas. Negociou ainda com a Eli Lilly sua divisão de saúde animal.
De acordo com a gerente de RH, Andrea Pirani, a empresa procura atrair profissionais para sustentar uma cultura de alto desempenho. "O mercado farmacêutico está mais complexo e competitivo", diz. "De forma geral, buscamos quem tenha uma visão mais sistêmica e estratégica do negócio, com um conhecimento dos diferentes players e stakeholders e criatividade para transpor barreiras regulatórias e da concorrência. Hoje é fundamental ter um programa de captação e desenvolvimento de profissionais, independentemente da posição."
A companhia oferece para seus funcionários desde treinamento fechado via cursos da Universidade de Harvard (EUA) até períodos de um a dois anos em outros países para conhecer novas realidades da indústria e agregar valor ao negócio no Brasil.
Uma das funções prioritárias para a empresa é a de gerência médica, que integra médicos e pesquisadores. "As pesquisas se relacionam a novas moléculas ou produtos químicos que possam ter novas indicações", diz Andrea. Segundo a Healthcare, o profissional que ocupa essa posição é formado em medicina e possui, além de vivência clínica, mestrado ou pós na área de negócios. Ele deve ser capaz de se relacionar com diversos setores da corporação em busca de soluções estratégicas para o negócio. Seu salário está na faixa de R$ 15 mil a R$ 28 mil, chegando a R$ 45 mil para os diretores.
"Antes, seu perfil era mais o de um conselheiro, dizendo, por exemplo, se determinada informação na bula fazia sentido do ponto de vista científico", diz Revert, da Healthcare. "Hoje busca-se mais o perfil de orientador do negócio, alguém que encontre brechas no mercado para posicionar melhor determinado produto, participando da definição de sua estratégia."
Na esteira do aumento da demanda por profissionais para o segmento farmacêutico, as empresas já sinalizam uma carência de talentos. Caso da EMS, que considera como maiores desafios reter os melhores profissionais no campo dos genéricos e encontrar perfis capacitados no de biológicos.
Entre as políticas adotadas pela companhia para fazer frente à escassez, estão programas de aceleração de carreira e de atratividade interna - cargos de segunda e terceira linhas de gestão são os que recebem os maiores investimentos no momento. Os programas de trainee e de estágio são o principal meio para atrair jovens profissionais.
Glaucia Ricci, diretora de RH da Sandoz, braço de genéricos do Grupo Novartis, observa que "não há muitos celeiros onde as empresas possam buscar talentos", o que as obriga a desenvolver alternativas para a retenção. As maiores dificuldades, diz ela, aparecem na procura por conhecimentos técnicos. "Trabalhamos parcerias com universidades e programas de educação continuada. O treinamento é muito focado no negócio, em questões de regulatório e biotecnologia."
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