Assim que um medicamento perde a proteção da patente, normalmente em poucos meses ou até em dias já é possível encontrar um genérico nas farmácias, para competir com o produto de referência. De olho na perda da exclusividade de comercialização do remédio, os laboratórios iniciam a corrida pelo desenvolvimento do medicamento genérico de dois a três anos antes da previsão de perda de patente. A ideia é deixar o produto no gatilho - com no mínimo 35% de desconto, o primeiro a lançar o genérico ganha a atenção do consumidor. O processo é de praxe e tem garantido o sucesso dos fabricantes de genéricos no país. Mas, não foi isso o que aconteceu com o Celebra, um campeão de vendas da Pfizer, verdadeiro blockbuster que perdeu patente em dezembro.
O medicamento anti-inflamatório - que tem como princípio ativo o celecoxibe, indicado para o alívio de diversos tipos de dor - está à venda há quinze anos no Brasil. Em 2013, gerou para a Pfizer vendas de US$ 21,4 milhões. A importância do produto para a multinacional é evidente: com vendas globais de US$ 2,9 bilhões, o Celebra é o quarto mais importante remédio da Pfizer no mundo.
Os números saltam aos olhos, e era esperado que atraíssem o interesse de diversas fabricantes de genéricos. Mesmo com o término da patente, o Celebra ainda atua sozinho neste mercado. Por enquanto.
Já há 13 solicitações na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) referentes ao registro de produtos com o princípio ativo celecoxibe. Destes, oito medicamentos já têm registro publicado pela agência, o que significa que podem ser comercializados. O fato é que até agora, não há genéricos do Celebra nas farmácias.
Dois dos registros são produtos do Teuto, laboratório nacional no qual a Pfizer tem participação de 40%. Outros dois medicamentos aprovados são da Wyeth, adquirida globalmente pela Pfizer em 2009. Há ainda um produto da Pharmacia Brasil - também adquirida pela Pfizer em 2003 - e dois são da própria Pfizer.
A americana, no entanto, ainda está em fase de negociações com suas parceiras e não tem um cronograma para o lançamento do produto. "O registro é somente o primeiro passo. Agora estamos na fase de negociação comercial e desenvolvimento da estratégia com nossos parceiros", firmou Erika Pagani, diretora de marketing da unidade de produtos maduros da Pfizer. Segundo a executiva, depois da negociação com os parceiros, deve ocorrer o planejamento da produção. O processo completo leva, "no mínimo" seis meses.
Erika afirma que há preferência do lançamento com o Teuto. O laboratório nacional é o principal parceiro da empresa no Brasil na área de genéricos e já conta desde o ano passado com o lançamento do genérico do Celebra.
Além da Pfizer, apenas a sul-africana Aspen Pharma já conseguiu um registro para o genérico do Celebra. Mas o registro obtido tinha sido pedido pela empresa em 2007 e não está mais adequado à legislação atual, o que exigiria mais investimentos da Aspen para o lançamento do produto. "Assim, não vale a pena, pois o segmento de anti-inflamatórios não está no nosso foco", disse Alexandre França, presidente da Aspen Pharma Brasil.
Em 2009, as vendas do Celebra no Brasil caíram 37%, de US$ 24,8 milhões para US$ 15,5 milhões. A queda foi resultado de uma decisão tomada pela Anvisa no fim de 2008, que passou a exigir a retenção da receita do medicamento pela farmácia - como é feito hoje com os antibióticos. Na época, devido a questões de segurança, todos os medicamentos da classe anti-inflamatórios a qual faz parte o Celebra (a classe dos não esteróides inibidores da ciclooxigenase 2) foram colocados na lista de substâncias sob controle especial. O objetivo foi reduzir o uso indevido, diante da notificação da ocorrência de casos de insuficiência hepática de um produto desta classe.
A partir disso, as estratégias das empresas com esta classe de medicamentos mudaram. Segundo Erika, com o Celebra, não é mais possível ser ativo no ponto de venda: a estratégia de vendas da companhia tem que ser focada na classe médica. "O controle do receituário torna o produto menos atrativo para os genéricos que vierem", disse a executiva. Isso pode explicar o fato de ainda não haver genéricos do medicamento no mercado. "O produto também não é tão fácil de ser copiado", acrescentou Erika.
A Pfizer afirma que não há impedimentos legais para o desenvolvimento do produto no país. A falta de atratividade deste mercado tampouco deveria ser um motivo para o atraso da entrada dos genéricos. Segundo dados do IMS Health, nos doze meses até abril o segmento anti-inflamatórios movimentou R$ 2,184 bilhões, alta de 20% na comparação com o mesmo período do ano passado e quase o dobro do vendido em 2010. "O mercado de anti-inflamatórios é atraente, mas já gerou muita controvérsia", concluiu França.
De qualquer maneira, o interesse da Pfizer em lançar um genérico próprio, para competir com os que devem entrar no mercado após a queda da patente, não é nova. É a mesma assumida pela americana com o Viagra, para o combate à disfunção erétil: em 2011, a empresa lançou o genérico por meio do Teuto, para compensar a perda de receita com o produto. Logo depois a Pfizer decidiu ainda cortar o preço da pílula azul. Mas, segundo Erika, a estratégia da Pfizer para o Celebra não deve ser a mesma do Viagra. "Não estamos no momento estudando uma redução no preço do medicamento", explicou. "Mas claro que vamos ter que estudar como manter a competitividade do produto", completou. Hoje uma embalagem de 100 mg com 20 cápsulas custa R$ 54.
O Brasil é o único país em que o Celebra já perdeu a patente no mundo. Nos EUA, a proteção foi prorrogada até dezembro de 2015, mas uma definição da Justiça anulou a extensão. Agora, a Pfizer recorre da decisão. Na América Latina, os mercados chileno e mexicano - onde a patente expira no segundo semestre - serão os próximos em que a multinacional sofrerá com a possível queda nas vendas. A não ser que a o produto continue por um tempo sem competição, como ocorre no Brasil.
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