A pesquisa clínica no Brasil tem muitos desafios a superar. Burocracia e falta de equipe adequada no sistema de avaliação ética e sanitária, burocracia nas agências de fomento, morosidade no desenvolvimento dos testes pré-clínicos (envolve animais) e clínicos (envolve humanos) em universidades e pouco conhecimento por parte da sociedade de que o alívio do sofrimento humano começa com a pesquisa científica. É o que avaliam usuários e estudiosos.
Uma das consequências dessa situação é a transferência de recursos de financiadoras (públicas ou da iniciativa privada) para o exterior com a importação desses serviços. O funcionamento de análises clínicas e de avaliações nos Estados Unidos e na Europa é muito superior em rapidez em relação ao que ocorre no Brasil.
A presidente da Sociedade Brasileira de Profissionais em Pesquisa Clínica (SBPPC), Conceição Accetturi, afirma que a legislação é boa. O problema, diz ela, está no sistema de avaliação. Segundo Conceição, os órgãos reguladores, como a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), são constituídos por poucas pessoas que entendem o significado de uma pesquisa pré-clínica e clínica, enquanto que a maioria dos cargos é preenchida por indicação política. O resultado é uma avaliação demorada - de 8 meses a 2 anos - e muitas vezes sem a aprovação de um fármaco.
A investigadora principal dos estudos de pesquisa clínica do Instituto de Genética e Erros Inatos do Metabolismo (Igeim), Ana Maria Martins, diz que a Conep tem priorizado estudos de interesse do Sistema Único de Saúde (SUS), ou seja, fármacos relacionados a genéricos ou de fabricação nacional. Os medicamentos fora desse grupo não têm sido aprovados, afirma.
O Igeim, criado em 2006 como uma Organização de Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) para dar suporte ao Centro de Referência em Erros Inatos do Metabolismo (Creim), além das pesquisas dá assistência às famílias com EIM, ensina e capacita equipes multidisciplinares de saúde para o atendimento de EIM.
Com um orçamento anual de R$ 900 mil (doações de parceiros), dividido para as quatro áreas de atuação, o Instituto tem um total de nove pesquisas em andamento, sendo quatro na fase IV (estudo após a aprovação de comercialização de um produto). "Dos medicamentos que vêm de fora, praticamente nenhum foi aprovado pelos órgãos reguladores desde o ano passado", afirma Ana Maria.
O professor Esper Kallas, associado do departamento de clínica médica da Faculdade de Medicina da USP, afirma que, se o país quer um lugar de liderança, terá de rediscutir a regulação da pesquisa clínica. Temos um sistema de avaliação complexo para olhar todas as etapas. "As avaliações são rigorosas, mas a burocracia faz com que o processo de aprovação e a condução da pesquisa clínica sejam difíceis", diz Kallas. Ele defende uma descentralização do poder do Conep, já que existem outros comitês especializados que poderiam fazer parte das avaliações e ainda adotar a avaliação por amostragem.
Carlos Antonio Caramori, diretor da Unidade de Pesquisa Clínica (Upeclin), ligada à Rede Nacional de Centros de Pesquisa Clínica do Ministério da Saúde, da Unesp-Botucatu, diz que os problemas nas etapas da pesquisa clínica levam o país a ter uma relação com a indústria farmacêutica internacional de mero executor de seus projetos e apenas nas fases finais.
Contudo, há um esforço acadêmico para melhorar a bancada do laboratório pré-clínico, clínico e avançar com produtos nacionais. A Upeclin, que desenvolve produtos biológicos (vacinas e fármacos) a partir do veneno de cobras em parceria com o Centro de Venenos de Animais Peçonhentos (Cevape), trabalha para fomentar a pesquisa nacional para que patentes e recursos originários destas patentes fiquem no Brasil e não em mãos de estrangeiros. "Estamos com dois produtos para serem comercializados: o soro contra picadas de abelha e uma cola de fibrina para usar em cirurgias à base de veneno de cobra", diz Caramori.
Kallas desenvolve projetos locais em parcerias. Um exemplo é o projeto da vacina contra a dengue com o Instituto Butantan, com recursos do BNDES. "Estamos na fase clínica, mas a fase de avaliação levou um ano", ressalta. Segundo Caramori, houve avanços, mas ainda falta muito porque há um problema estrutural. A produção vai encontrar falta de laboratórios de teste de toxidade, de testes pré-clínicos e a morosidade nas avaliações dos órgãos reguladores.
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