Investimentos em Digital Health assombram o mercado
16/10/2020

Venture Capital no setor alcança recorde em 2020

O principal produto do Google é o Google Search, uma máquina de fazer dinheiro responsável pela maior parte dos lucros da empresa (em 2019, US$ 31 bilhões em lucros). Seu ‘buscador’ é também uma máquina de prever para onde o mundo se desloca e, em consequência, para onde vão as demandas da civilização. Assim, a divisão de risco do Google alavanca insights, investindo em mercados emergentes, inesgotáveis e prementes. Nos últimos anos, a holding do grupo tem investido fortemente em empresas de saúde (American Well, 1Life Healthcare, Editas Medicine, Clover Health, etc.). Porque, afinal, um dos três maiores ‘motores de tecnologia’ do planeta investe em Saúde? A resposta está nas estatísticas do Google Search7% de todas as pesquisas são relacionadas à saúde, o que significa que a cada minuto ocorrem 70 mil consultas relacionadas à saúde em sua plataforma. A consequência, portanto, não deve surpreender: até 2019 o Google investiu em 57 empresas de saúde e elas respondem por um terço de seu portfólio de risco. Um exemplo pode ser a expansão da Teleconsulta (telemedicina aplicada) que a Covid-19 exponenciou: a American Well é a segunda empresa líder em telehealth nos EUA, sendo que a média de televisitas no último trimestre foi de 45 mil por dia, contra 2 mil em 2019, gerando no último trimestre um crescimento de receita de 94% em relação ao ano anterior. “Siga o dinheiro!”, diz a velha máxima. No mercado de capitais de risco talvez pudéssemos usar o “siga o google”. A empresa construiu um amplo portfólio de empresas que abrange quase todos os vetores da Saúde. Na primeira quinzena de outubro, as ações da Google estavam sendo negociadas a US$ 1.504,89 por ação, sendo que no acumulado do ano, a empresa ganhou 12,56%.

Em linguagem simples: os investimentos em digital health explodem na mesma proporção que crescem as ondas cíclicas da Covid-19, com uma diferença: não serão reduzidas por qualquer vacina, pelo contrário, a expansão de Venture Capital e Private Equity em tecnologias sanitárias continuará crescendo na proporção em que as dores e amores da expectativa de vida e dos custos do setor só aumentam. Uma única aquisição no setor de telemedicina colocou de joelhos o purismo da medicina contrária aos rápidos avanços em digital health: em agosto último, a Livongo foi adquirida pela Teladoc em uma fusão histórica de US$ 18,5 bilhões (cerca de 1% do PIB brasileiro). Até então nada se comparava a esse lance de ousadia (ou imaturidade). Todavia, na primeira semana de outubro veio a confirmação vetorial da maturidade dos investimentos em digital health: nos 9 primeiros meses de 2020, cerca de US$ 9,4 bilhões foram investidos em startups de eHealth só nos EUA, ou seja, os três trimestres deste ano já ultrapassam o recorde anual anterior de US$ 8,2 bilhões (2018). Trata-se de um movimento tectônico que deve levar os investimentos mundiais no setor a níveis estratosféricos em 2020-2021 (a RockHealth, talvez a mais importante fonte de pesquisa em VC & PE no segmento de digital health, considera que os investimentos em 2020 vão superar US$ 12 bilhões só nos EUA).

Globalmente, os investimentos em empresas privadas de saúde superaram US$ 18,09 bilhões no segundo trimestre de 2020 (CB Insights), estabelecendo um novo recorde trimestral. É obvio que a Covid-19 acelerou esse movimento apressurado, como acelerou quase todas as práticas de transformações digitais em diversas outras indústrias de serviços. Mas a velocidade no setor de saúde tem algo não menos obvioo setor estava represado digitalmente há pelo menos duas décadas. Vivíamos um ambiente reativo a transição digital dentro da cadeia de saúde público e privada. No provimento de serviços médicos, por exemplo, sempre existiram ilhas de excelência digital, mas a maioria do mercado está atrasado décadas com um ‘gap tecnológico’ de grande envergadura. Nove meses de Telemedicina destruíram um castelo de equívocos provocados, entre outras coisas, pela miopia de parte da comunidade médica que ainda ‘saca um crucifixo para exorcizar’ boa parte das tecnologias em curso. A carga de inteligência artificial dentro de um simples smartphone já pode ser maior do que a carga de IA contida em mais de 50% dos hospitais brasileiros que pouco se digitalizaram nos últimos anos. Aliás, IATelehealth e os Dispositivos Médicos turbinados com aplicações algorítmicas são as três verticais tecnológicas em saúde-digital com maior número de negócios no primeiro semestre de 2020. O ‘ticket dos negócios’ também cresceu. Nos EUA, por exemplo, o tamanho médio do negócio em 2020 foi de US$ 30,2 milhões, o que significa 1,5 vezes a mais do que a média de US$ 19,7 milhões de 2019. Só os mega fundos da General Atlantic e Softbank despejaram em setembro mais de 0,5 bilhão de reais na startup brasileira Acesso Digital, evidenciando que o atraso nacional em tecnologia clínico-digital pode fazer o Brasil surfar nessa maré de investimentos de risco. O certificado de assinatura digital para profissionais de saúde, por exemplo, cresceu 650% entre abril e julho deste ano, segundo dados da certificadora eletrônica Serasa Experian.

A tendência mundial sinaliza uma movimentação em digital health de US$ 379 bilhões (cerca de R$ 1,4 trilhão) até 2024, segundo a consultoria Global Market Insights. Mesmo os fundos de médio e grande porte, que haviam se distanciado da Saúde nos últimos anos, voltaram à cena. Perto de 64% dos investidores nos primeiros nove meses do ano já haviam investido anteriormente em digital health. O viés de expansão vem de outra pesquisadora mercadológica, a StartUp Health: em 2010, seus estudos de mercado mostravam perto de US$ 1 bilhão em financiamentos para inovação em saúde, com 139 negócios. Uma década depois, a marca deve chegar no final do ano com US$ 20 bilhões em investimentos nas healthtechs, com até 800 negócios. Outro relatório, da Mercom Capital Group, publicado em outubro último, mostra que a atividade de healthcare funding aumentou 43% nos primeiros três trimestres de 2020, atingindo US$ 10,3 bilhões, sendo que as verticais que mais receberam investimentos foram: (1) Telemedicine; (2) Health Analytics; (3) mHealth Apps; (4) Wearables; (5) Clinical Decision Support; (6) Healthcare Service Booking; (7) Practice Management Solutions e (8) Wellness. Mais que isso, ainda segundo o report nos primeiros 9 meses de 2010 houve 132 fusões e aquisições na área de saúde digital, contra 125 em todo o ano de 2019.

Não é diferente no ‘velho continente’, cuja Comissão Europeia anunciou em 06 de outubro uma contribuição ancora de 150 milhões de Euros para o programa Venture Centre of Excellence (VCOE). O mercado europeu de tecnologia médica é estimado em mais de 120 bilhões de Euros, com Alemanha, França e Reino Unido liderando em pesquisas, desenvolvimento e implementação de novos dispositivos médicos. Só na região da Catalunha (Barcelona, Espanha), os investimentos em startups de saúde já atingiram 120 milhões de Euros nos primeiros nove meses de 2020 (valor superior ao recorde de 112 milhões de Euros angariados ao longo de 2019), sendo uma em cada quatro rodadas de investimentos com  participação estrangeira, principalmente de países europeus e dos EUA. A lista de cidades que mais atraem investimentos em saúde digital também mostrou uma novidade: a volta da China. Depois de vários anos no topo de lista, a China caiu inteiramente nos últimos meses (quase 70%), sem dúvida devido a Covid-19. Nas últimas semanas, Pequim e Hangzhou estão de volta ao top 10, com US$ 551 milhões levantados apenas em 6 negócios. Israel continua a superar seu peso demográfico, com três cidades no topo da lista (Tel Aviv, Jerusalém e Haifa) e não mais de 8,6 milhões de habitantes.

O mundo foi dormir festivo no Réveillon de 2019 e acordou na Semana Santa imerso na mais descomunal ressaca da história recente. Mas o ‘funding world’ não foi dormir: em março se sentou na varanda vendo o cortejo de países quebrados, endividados e perplexos com a gravidade dos problemas sanitários. Em abril, injetou mais de 19 bilhões de dólares mundo afora para cobrir algumas ineficiências sanitárias de quase todos os países. Em maio-junho investiu pesado em saúde-eletrônica. Um setembro contou dinheiro e somou payback. Em outubro prepara uma nova enxurrada de capital nas hostes da saúde-digital. O final de 2020 vai mostrar a maior concentração de recursos investidos em tecnologia médica da vida-humana. Se isso reduzirá as desigualdades ou adicionará valor assistencial aos mais distantes rincões do mundo é cedo para dizer. De qualquer forma, o bioma da saúde nunca mais deixará de se cruzar com a biosfera digital. Em 2020 ainda não sabemos qual será o ‘novo-normal’, mas já está claro qual será o ‘novo-óbvio’: digital health.

 Sobre o autor

Guilherme S. Hummel é Coordenador Científico – HIMSS@Hospitalar Forum

eHealth Mentor Institute (EMI) – Head Mentor





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