‘Ambient Intelligence’ empodera e reduz custos
Em todo o mundo, mais de 230 milhões de procedimentos cirúrgicos são realizados anualmente, com até 14% dos pacientes experimentando um evento adverso. As habilidades do cirurgião variam caso a caso, com algumas sendo avaliadas por seus pares e supervisores. Sensores vestíveis poderiam ser conectados às mãos dos cirurgiões, ou aos instrumentos para estimar as habilidades cirúrgicas, mas podem inibir sua destreza ou impactar a esterilização. Por outro lado, as aferições realizadas por câmeras ambientais inteligentes passaram a ser cada vez mais estimuladas graças a inteligência artificial. Um estudo mostra como pesquisadores ‘treinaram’ uma rede neural convolucional (artificial) para rastrear a habilidade do cirurgião na condução do instrumento robótico em uma prostatectomia: o algoritmo utilizado aferiu e categorizou 12 cirurgiões em grupos de alta e baixa habilidade, com precisão de 92% quando comparado aos julgamentos tradicionais. Bem-vindo ao mundo de “Ambient Intelligence”, onde os depth-sensors (capazes de visualizar silhuetas em 3D) se juntam aos algoritmos de redes neurais e identificam padrões de mobilidade sem risco de corromper a privacidade dos indivíduos.
O ‘hospital inteligente’ não é novidade, sendo que inúmeras organizações já utilizam sensores (IoMT) para identificar problemas dentro de suas instalações físicas. Todavia, os hospitais estão recebendo cada vez mais ‘inteligência’ e dependendo cada vez menos de observações humanas presenciais. Um ‘ambiente inteligente’ faz uso de sensores e inteligência artificial (IA) para apoiar os profissionais de saúde na sua tomada de decisão. O estudo “Illuminating the Dark Spaces of Healthcare with Ambient Intelligence”, publicado pela Nature em setembro de 2020, mostra como a “computer-vision-technology” ajuda os médicos em sua assertividade diagnóstica. Para os pesquisadores do estudo (Stanford University), muitas atividades críticas na saúde permanecem obscuras dentro da gestão clínica. Apesar de inúmeras iniciativas de melhoria, até 400 mil pessoas morrem a cada ano nos EUA devido a lapsos e eventos adversos nos ambientes hospitalares, com casos semelhantes ocorrendo em quase todos os países. Para evitar a sobrecarga cognitiva dos médicos, a inteligência artificial deve ajudá-los não apenas nas decisões clínicas, mas também nas ‘etapas físicas’ que precedem as decisões clínicas. “Temos a capacidade de habilitar os espaços físicos onde os cuidados são prestados com tecnologias que ajudem a reduzir a taxa de erros fatais e os sofrimentos-evitáveis, que hoje ocorrem devido ao grande volume de pacientes e à complexidade de seus cuidados”, explica Arnold Milstein, professor e diretor de medicina do Stanford’s Clinical Excellence Research Center (CERC) e um dos autores do estudo da Nature.
Os pesquisadores realizaram um experimento em Stanford: ‘sensores infravermelhos’ (sem contato físico) foram colocados fora dos quartos hospitalares para monitorar a aderência dos profissionais de saúde aos protocolos de higienização das mãos. Os sensores funcionam como um “radar” (com ondas de luz) que mapeia os contornos 3D de uma pessoa ou objeto. Já dentro do quarto, esse mapa 3D pode identificar uma infinidade de movimentos daqueles que transitam no quarto (pacientes ou profissionais de saúde). Sensores térmicos, por exemplo, posicionados acima dos leitos, podem “detectar espasmos ou contorções sob os lençóis, alertando a equipe clínica sobre crises iminentes”. As plataformas de IA incorporadas aos sensores de luz podem controlar desde idosos frágeis diante de crises iminentes, até a gestão de protocolos médicos que não estão sendo efetivamente realizados. Um número crescente de centros de pesquisa estuda os ‘ambientes hospitalares inteligentes’, como Stanford, ou a Universidade Johns Hopkins, ou ainda a Universidade de Toronto. Engenheiros e médicos trabalham juntos para desenvolver soluções que gerenciem os exponenciais volumes de pacientes internados (em 2018, aproximadamente 7,4% da população dos EUA precisou de internação hospitalar durante a noite, sendo que no mesmo ano 17 milhões de internações foram relatadas pelo NHS, no Reino Unido). “Estamos em uma corrida com a complexidade dos cuidados à beira do leito”, diz Milstein. “Segundo uma contagem recente, médicos de uma unidade hospitalar de terapia intensiva neonatal realizam 600 ações à beira do leito do paciente em um único dia. Sem assistência digital, a execução perfeita deste volume de ações complexas está muito aquém do razoável”, reforça Milstein.
Alberto Haque, também pesquisador de Stanford e um dos autores do trabalho (compilou os 170 artigos científicos citados no estudo), explica que ‘ambientes hospitalares inteligentes’ vão se impor devido a dois fatores: (1) a disponibilidade de sensores infravermelhos cada vez mais sofisticados e baratos, e a (2) evolução dos sistemas de aprendizado de máquina, capazes de “treinar” aplicativos que suportam a decisão diagnóstica. A nova geração de sensores infravermelhos captura silhuetas tridimensionais revelando até a distância que estão do sensor. Como não são câmeras reais e não utilizam fotos ou vídeos, eles preservam a privacidade das pessoas na imagem. Na realidade, o neologismo ‘ambient intelligence’ significa um mix de sensorização e algoritmização, que coleta dados e pode antecipar ocorrências em cada leito, ou em cada centro cirúrgico, ou em cada ambiente de UTI. Um estudo pioneiro, realizado em 2017, revela que pesquisadores instalaram sensores ambientais em uma sala de UTI e coletaram 362 horas de dados de 8 pacientes. Um algoritmo de aprendizado de máquina categorizou as atividades no leito, fora dele e nas caminhadas dos pacientes, aferindo precisão de 87% quando comparado à revisão retrospectiva realizada por três médicos. Outro trabalho, realizado em 2019 no Intermountain LDS Hospital (Utah), levou um time de pesquisadores a instalar depth-sensors em oito salas de UTI. Eles treinaram uma rede neural artificial com 379 vídeos para categorizar a mobilidade dos pacientes em várias categorias. Quando o resultado foi comparado a um conjunto de 184 vídeos fora da amostra, o algoritmo de DMA (detection of mobility activities) demonstrou sensibilidade de 87% e especificidade de 89%. Câmeras, microfones e acelerômetros também foram utilizados em outra pesquisa (2019) para monitorar 22 pacientes em UTI durante 7 dias, estando eles dentro ou fora do chamado “estado de delírio”. Utilizaram três acelerômetros, um sensor de luz, um sensor de áudio e uma câmera de alta resolução para capturar imagens dos pacientes no ambiente da UTI. A visão computacional e as técnicas de deep learning mostraram as diferenças dos movimentos dos pacientes, criando parâmetros para validá-los vetorialmente com várias morbidades.
Um exemplo de abordagem do ‘ambiente inteligente’ refere-se ao tempo gasto pelo profissional de saúde com a escrita da documentação médica. Pesquisa realizada em 2018 mostra que os médicos gastam até 35% de seu tempo na tarefa de incluir dados no registro eletrônico do paciente (EHR). Alguns provedores usam ‘escribas médicos’ para aliviar essa carga, transcrevendo as anotações. No entanto, os “prontuaristas” são caros, difíceis de treinar e têm alto turnover. Microfones ambientais, por exemplo, podem realizar tarefa semelhante à dos escribas utilizando aplicações de speech recognition, que agora são alavancadas com deep learning. Estudo publicado em 2018, utilizando 14 mil horas de áudio ambulatorial de 90 mil conversas entre pacientes e médicos, mostrou que as “plataformas de transcrição com IA” já possuem precisão de 80% no nível da palavra (melhor do que a precisão de 76% dos escribas médicos). Ambient Intelligence, em resumo, cria quartos inteligentes, UTIs com mais previsibilidade, centros cirúrgicos menos dependentes da interferência humana, salas de recuperação fisioterápicas com controle de movimentação e risco, etc. Vieram para ficar, provendo aos hospitais uma enorme quantidade de “vínculos digitais de baixo custo” que aumentam a qualidade do atendimento, reduzem custos, ajudam a superar as deficiências de mão de obra e minimizam os procedimentos exaustivos. O controle digital da mobilidade dos internados só não será mais importante para o Hospital do que o mesmo controle aplicado a vigilância de suas competências clínicas.
Sobre o autor
Guilherme S. Hummel é Coordenador Científico – HIMSS@Hospitalar Forum
eHealth Mentor Institute (EMI) – Head Mentor